Algumas pessoas escolhem ver a fealdade neste mundo, a desordem. Eu escolho ver a beleza. Acreditar que há uma ordem para nossos dias. Um propósito.

Westworld é uma série norte-americana, lançada em 2016. Desenvolvida pelos geniais Jonathan Nolan e Lisa Joy e estrelada por astros como Evan Rachel Wood (Dolores Abernathy), Anthony Hopkins (Dr. Robert Ford), Thandie Newton (Maeve Millay) e Ed Harris (Homem de Preto), a obra apresenta-se não apenas como dona de qualidades admiráveis: Westworld é a melhor estréia do formato dos últimos seis anos.

Reunindo teologia, filosofia e metafísica, de Shakespeare e Descartes à Darwin e Jesus, passando também por Platão e flertando com Asimov, a série é recheada dos mais profundos questionamentos. Amparados por direções seguras e personagens sublimes, Jonathan Nolan e Lisa Joy nos brindam com uma trama de cair o queixo, cheia dos mais arrebatadores reveses.

Os holofotes se voltaram para Westworld assim que a HBO anunciou sua mais nova aposta. Sabemos que a emissora impera quando se fala de séries, sejam elas de drama (Game of Thrones, The Wire, The Sopranos) ou comédia (Sex and the City). Mesmo nas minisséries (Band of Brothers, The Pacific) o “padrão HBO de qualidade” é enaltecido por público e crítica, varrendo as premiações por onde passa.

Ainda assim, desde Game of Thrones (2011—), foi difícil emplacar um novo sucesso dentre suas obras dramáticas. Vinyl, True Detective, The Leftovers… embora elogiadas pela crítica, nenhuma destas supriu as altas expectativas que as acompanhavam.

Com a adaptação da fantástica obra de George Martin chegando ao fim, e as comédias sendo pilares por demais frágeis para sustentar tamanha grandeza, era necessário que outra série dramática caísse nas graças do público.

Neste cenário, surge Westworld.

O Enredo

A premissa é retirada do filme homônimo de 1973, dirigido por Michael Crichton.

Westworld se passa num futuro distante, evoluído tecnologicamente. A trama é centrada num grandioso Parque — nomeado Westworld —, um simulacro do Velho Oeste, habitado por androides — chamados Anfitriões — que imitam perfeitamente a aparência humana, simulando nosso comportamento e raciocínio. Assim, Westworld é não mais que um “Parque de Diversões para adultos”, onde milionários podem passar seu tempo sem atinar-se às noções de moral e ética. Estão todos autorizados a cometer os atos mais condenáveis aos robôs — que, afinal, estão livres de sentimentos e são “reiniciados“ de acordo com seus ciclos narrativos.

Os androides atendem os desejos e ambições de seus Hóspedes, dia após dia, reiterando os comportamentos e reprisando as ações, em ciclos sem fim. O Parque é moldado de acordo com as atitudes dos visitantes, e cada uma de suas narrativas pode ser explorada das mais diversas maneiras.

E, com isso, episódio após episódio, nos é mostrada a jornada de autodescoberta dos Anfitriões: de forma sutil, com pequenas discrepâncias nos ciclos narrativos, eles se adaptam e evoluem, numa odisseia complexa, orquestrada de forma magistral. Conforme as androides Dolores (Evan Rachel Wood) e Maeve (Thandie Newton) caminham em busca de seu despertar, a série se torna mais e mais grandiosa, com intrincadas reviravoltas, até seu grand finale.

O maior trunfo de Westworld é exatamente a complexidade e poder de seu roteiro, que jamais subestima o espectador, desafiando-o constantemente para que desvende os imensuráveis segredos que guarda. Por mais vigilante que seja, as reviravoltas irão surpreendê-lo.

Personagens

A série nos presenteia com personagens humanos e de conceitos sólidos — há camadas e camadas mesmo para o mais secundário deles. Podemos perceber simbologias numerosas de Ford, o ”deus” deste mundo e maestro da maioria dos acontecimentos, à Clementine, simples personagem de apoio da cortesã Maeve. Prestando atenção, há várias faces, incontáveis traços de suas personalidades — tão cuidadosamente construídas —, que podemos perceber em pequenos detalhes ao longo da obra. Não há, dentre os primários e secundários, personagem unidimensional.

O dr. Robert Ford é, sem dúvidas, a mais cativante figura que a série nos traz. Anthony Hopkins traz uma atuação magnífica, honrando a notoriedade de seu nome. Sem brincadeiras ou exageros, aqui ele se mostra uma verdadeira entidade!

No fim do texto, deixo um vídeo incrível (em inglês) que mostra, quadro a quadro (numa cena de não mais que dez segundos), como Hopkins faz uso de sua magia para encarnar um Ford crível e tridimensional, cujos planos e propósitos jamais conhecemos por completo. As minúcias em sua atuação são estonteantes.

O doutor é um obscuro quebra-cabeças, multifacetado e de intelecto admirável, tendo tudo sob seu controle. Todos — ou, bem quase todos — são suas marionetes neste intrigante jogo de máquina versus homem.

Sempre trajado como um verdadeiro magnata dos clássicos Westerns da Era de Ouro do Cinema Americano, o ator nos traz uma figura antiquada para o núcleo de caráter futurista que temos na diretoria de Westworld. Das vestimentas aos seus ímpares apetrechos, Ford evoca o ambiente que seu pequeno mundo simula, com relógios de bolso e coletes ornamentados. No parque ele é uma deidade, aquele que tudo controla. O espectador logo se encontra deslumbrado com sua pessoa. É ele quem primeiro chama a atenção, o maestro de toda a orquestra, o mais interessante, profundo e misterioso dos personagens.

Dentre os Anfitriões, Dolores é, indubitavelmente, a dona do mais complexo psicológico. E a mais surpreendente, também. Nos primeiros minutos de série, temos estabelecido que os androides são incapazes de ferir seres vivos, sejam eles racionais ou não. ”Eles não machucariam nem uma mosca”, é dito (numa breve alusão às Leis da Robótica de Asimov).

E quem é a primeira a provar ao espectador o quão prepotentes são os seres humanos, se não Dolores, que esmaga calmamente uma mosca, quando o primeiro episódio chega ao fim? Temos, assim, nosso primeiro revés, advindo da relativa brutalidade de nossa ”imaculável” heroína: os Anfitriões não são tão inofensivos quanto pensam.

Este é apenas o início de sua metamorfose. A transformação de Dolores é executada de maneira sutil e cuidadosa, de acordo com sua complexidade. Ao final da obra, temos uma personagem completamente díspar daquela mostrada no início.

Evan Rachel Wood é a intérprete de nossa indecifrável protagonista, heroína que questiona sua própria realidade, esboçando consciência desde o primeiro episódio. Se reduzíssemos Westworld numa frase única, centrada num único plot, falaríamos, de forma inconteste, da jornada de Dolores em busca da autocompreensão. Ainda que não seja a única Anfitriã a defrontar tal jornada, toda a trama do ”despertar” tem ela como personagem central. Muitos dos acontecimentos — embora não suspeitemos num primeiro momento — giram em torno de sua busca.

A atriz entrega-nos uma atuação impecável, que merece destaque. Por diversas vezes lhe é exigida enorme competência dramática, a qual apresenta com perfeição. Seja chorando copiosamente enquanto muda suas expressões de maneira robótica ou atingindo as barreiras da sanidade em embates com seus próprios criadores, Dolores é crível e real, fazendo com que nos afeiçoemos de imediato.

E, como estes, há incontáveis personagens em Westworld que merecem o devido reconhecimento: William, Maeve, Bernard, Hector — interpretado pelo brasileiro Rodrigo Santoro —, Logan… todos cheios de camadas, donos de excepcionais diálogos e explorados pelo roteiro de forma magistral.

Reviravoltas

Atenção! Os próximos parágrafos estão recheados de spoilers e revelações sobre o enredo. Se ainda não assistiu, não leia! Nos reveses está o grande trunfo de Westworld: nada é o que parece.

Por isso, se for o seu caso, pule para ”Considerações Finais”.

Não divagarei muito aqui, apesar de este ser, de forma inconteste, o mais interessante dos tópicos.

É preciso dizer que os roteiristas de Westworld são astutos. Nem mesmo o mais atento dos espectadores (desconsiderando alguns malucos do Reddit) poderia prever algumas das surpresas que a série nos traz.

Os plot-twists crescem de forma gradativa e desconcertante. Devo dizer que não me sentia tão abalado com os reveses de uma obra desde, talvez, O Sexto Sentido, ou Amnésia — talvez Clube da Luta.

Digo… a série nos mostrava três momentos distintos da história do Parque, e sequer percebemos! Tudo o que envolve William e Logan, acontecendo num passado distante, isolado do restante dos núcleos… executar tal desafio sem que o espectador suspeite — até o sensacional último episódio — é, no mínimo, um feito de cair o queixo.

Também nos é revelado que os personagens William e Homem de Preto são, na realidade, a mesma pessoa. Aqui temos uma jornada de perdição desempenhada com primor. O tormento do personagem é verossímil, e tanto Ed Harris quanto Jimmi Simpson são exemplares no papel. A queda de William é uma tragédia bela, pautada no amor que o personagem sente pela Anfitriã Dolores — amor o qual é arrancado de seu peito, numa cena que exibe a inquestionável aptidão de Nolan para tais momentos dramáticos. Vemos, em apenas alguns momentos, um dos poucos homens bons e exemplares que rondavam o Parque cair, convertendo-se num cruel e sem escrúpulos pistoleiro.

Por fim, descobrimos que o grandioso plano de Maeve não era, de fato, de Maeve. Quando nos é exposta a intragável verdade, mais uma vez os olhos se arregalam, o coração bate mais forte. A cortesã é quebrada ao descobrir que, até ali, não possuíra livre arbítrio algum. Paradoxalmente, é quando ela toma sua primeira decisão, contradizendo a programação e ficando no Parque.

É ou não é impressionante? Como já disse, a obra nos presenteia com os mais arrebatadores plot-twists. Daqueles que fazem você sentar e assistir tudo de novo, desde o começo.

Várias das reviravoltas da obra clamam por um dois parágrafos, mas aqui me retenho. O genial roteiro nos conduz passo a passo, provocando e surpreendendo na mesma medida, inúmeras vezes. Seria impossível tratar de todas.

Considerações Finais

Westworld é uma série de qualidade cinematográfica. Com uma bela fotografia, direções exemplares, roteiro sublime e atuações digníssimas, todos os episódios são acima da média. E, apesar dos primeiros quatro ou seis serem considerados — por alguns — lentos, há razões para tudo o que acontece. Esta não é uma série de ação. Não espere encontrá-la. Ainda assim, há mil e um motivos para dar uma chance.

Me atrevo a dizer que temos aqui uma obra que, futuramente, será vista como um grande passo para uma evolução na qualidade das séries televisivas. Se a HBO já revolucionou com Game of Thrones e The Sopranos, aqui ela se supera. Há tempos não se via um sci-fi de tamanha qualidade, mesmo nos cinemas.

E, bem, talvez seja exagero meu, mas, se as próximas temporadas — são previstas cinco — retornarem com a mesma força, a HBO pode presentear-nos com uma das melhores séries já vistas. Acompanhá-la será uma experiência magnífica!

Westworld retorna para sua segunda temporada em 2018. A primeira está disponível pela HBO GO.

Links interessantes: https://www.youtube.com/watch?v=4kSGkGKwp9U

Westworld (Westworld) – EUA, 2016, cor. Formato: Série Gênero: Drama, Mistério, Ficção Científica, Western Duração de cada episódio: Aproximadamente 57 minutos. Criadores: Jonathan Nolan e Lisa Joy Elenco: Evan Rachel Wood, Anthony Hopkins, Ed Harris, Thandie Newton, Jeffrey Wright, James Marsden, etc.

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Sobre o Autor

Aspirante a romancista. Entusiasta de literatura, cinema, games, quadrinhos e séries, e um eterno amante das obras de Tolkien.