Observação: A história possui trilha sonora, escutá-la ou não durante a leitura fica a cargo de cada um.


STAR WARS: OBSCURIDADE
Capítulo I – Selvagem Como as Trevas


ATENÇÃO! Para o entendimento da narrativa, confira a abertura disponibilizada no vídeo abaixo:


1

14 aBY.

ㅤㅤA delicadeza daquela jovem em movimentar os punhos ganhava cada vez mais notoriedade em meio às atuais habilidades. Doce como qualquer outro indivíduo visualmente inocente, todos os que restaram à sua volta catalogavam-na como a encarnação de algo genuinamente bom, o perfeito equilíbrio para o atual cosmo desequilibrado, onde apenas a sujeira, a sombra, e a devastação reinavam.
ㅤㅤCom os olhos totalmente fechados, ela deixava o poder correr entre as veias, o sangue poderoso refletindo tudo aquilo que sua família havia sido destinada a ser. Dona de grandes feitos, um verdadeiro marco na história desse universo. E, pegando peça por peça, à distância, ela ia conduzindo as pequenas engrenagens através do ar, flutuações em ondas de mistério.
ㅤㅤ— O verde… o verde é uma cor selvagem! — os atentos ouvidos escutaram, à curta longitude, a presença de do mentor; a principal inspiração para que ela alcançasse as habilidades desejadas. — Ele está nas árvores, está no solo, está dentro e fora das águas…
ㅤㅤPerto dali, um rio corria, manso e limpo, manifestando a vida pelos animais marinhos que saltavam em meio a superfície úmida.
ㅤㅤ— Está também nos cristais — profanou tal conjunto de letras com uma invejável aura de superioridade astral; afinal, teu outro plano o fazia compreender aspectos que na vida mortal não havia sido capaz. — Nessas pequenas ferramentas que, como todas as outras, foram criadas pela vontade de algo muito maior do que podemos compreender.
ㅤㅤE então algo brilhou. Mas a luminescência não advinha da alma atormentada que não teve tempo para descansar — em decorrência do perverso destino que se instaurou pelo seu mundo pré-morte. A luz advinha do diminuto cristal lapidado, ainda não justaposto, praticamente escondido na grama, já manifestando sua presença e sua vida. Estava quase na hora de ele habitar a nova arma elegante, vinda de tempos mais civilizados.
ㅤㅤA menina, com calma, continuou movimentando as peças pela aragem despoluída, o coração pulsante bombeando seiva avermelhada pra todas as partes do corpo concentrado, o pulmão acelerado e imparável não permitindo que seu estado magnífico fosse perturbado. As pernas cruzadas, em perfeita harmonia, em concordância à postura invejável da coluna. Pairando a centímetros de distância do solo esverdeado.
ㅤㅤ— Continue movimentando seus pensamentos. Liberte eles de toda maldade, de toda melancolia, para que enfim possa finalizar seus anseios — a jovem moça continuava escutar, atenta, enquanto obedecia o arauto. — Deixe que os midi-chlorians fluam através de cada célula do seu corpo, de cada átomo que a constitui.
ㅤㅤMidi-chlorians… uma definição que gerava repúdio até naquele universo. Por representarem consequências de escolhas pensadas pelo próprio Criador. Eles, embora muitos persistissem, não retratavam a definição mais perfeita dos poderios e arquétipos a respeito do que a Força era; do que esse poder místico e praticamente inexplicável era feito. Não. Eram apenas uma maneira de medi-lo, como condensá-la em algo palpável para a maioria dos questionadores. Fazer os indivíduos entenderem, mostrando aos céticos que havia algo além do que suas ignorantes mentes conseguiam imaginar.
ㅤㅤ— Deixe que eles lhe transmitam a Força. Que eles lhe dominem — e, a cada palavra derramada, mais sua concentração era contemplada, servindo como motivo de orgulho. — É mais do que levitar pedras. É levitar sonhos… e transmitir a cada objeto a sua conexão.
ㅤㅤRealizando a nobre e complexa missão de permanecerem perfeitos opostos um do outro, como muito do que já foi e ainda seria visto nas eras de tal galáxia. A ciência e o sobrenatural. A justiça e a vingança. O verde e o vermelho. A luz e a treva. A vida e a morte.
ㅤㅤEla suspirava de maneira genuinamente aprofundada. Na mente supostamente serena, mergulhava-se imparável no objetivo final, enquanto, inevitavelmente, já começava a remoer pretéritos acontecimentos. Recordou-se daquele horrendo dia, dos segundos que fizeram sua vida mudar de uma hora para outra. Lembrou-se dos soldados imperiais trajando armaduras esbranquiçadas, como se fossem mensageiros da paz intergaláctica; muito embora levassem consigo a feiura do absoluto mal, presente na figura de um ser de capuz e seu lacaio mecânico maldito — este último presente no mesmo dia, marcando presença segundos após a chegada dos combatentes nevados à sua residência. Os diversos pesadelos que teve ao longo dos anos seguintes sempre encontravam uma maneira de fazê-la dividir espaço novamente com sua espada rubra homicida, bem como evocavam a respiração apavorante que concebia em decorrência do maldito capacete.
ㅤㅤAs memórias que reviveu imediatamente levaram-na de volta ao instante que arrancaram a porta da humilde morada, com bruta força, erguendo seus blasters mortais exigindo rendição. De quando viu tal monstro enegrecido marcar presença no piso, a face coberta por uma máscara moldada aproximadamente como um rosto humano — embora os olhos da máscara estivessem vazios e mortos. Ainda sentia calafrios ao ementar a visão dos amados genitores sendo atravessados pelo sabre do diabo, sem misericórdia, pouco antes de os soldados atirarem contra seus corpos já falecidos, desprovidos de um pingo de respeito; unicamente porque representavam uma ameaça ao novo, e por muito tempo vigente, Império.
ㅤㅤEla deu uma fraquejada, os objetos quase caíram em decorrência de tamanha apreensão. Com o susto, abriu os olhos castanhos, finalmente acompanhando cada pedaço da futura arma flutuar através das feições.
ㅤㅤA hora… ela estava chegando.
ㅤㅤ— Respire! Apenas… respire… — a voz pareceu doce e reconfortante, como jamais tinha deixado de ser; uma perfeita definição para ondas sonoras advindas do além. — Eu estou com você. Eu sempre estarei com você.
ㅤㅤE, então, controlou-se uma vez mais, repetidamente fechando os olhos, deixando o poder da vigorosa Força lhe preencher, para que a última lição fosse aprendida.
ㅤㅤEla voltou a movimentar as falanges, agora de modo mais ativo, milímetros de distância de cada estilha; peça atrás de peça, era como se os próprios músculos trabalhassem para alçá-las.
ㅤㅤ— Sinta a Força. Sinta cada um de seus batimentos cardíacos — o remanso tornou-se a imperar. — Sim, sim… vejo o quanto estão acelerados.
ㅤㅤMas não sabia muito bem o que aquilo significava. Não ainda. Porque, vindo dela… jamais poderia suspeitar.
ㅤㅤ— Natas…? — Como a garota, também trancava as próprias pálpebras, apenas deixando-se sentir o ambiente à volta.
ㅤㅤ— Sim, mestre? — Prevaleceu sem dispersão.
ㅤㅤE, mesmo que não observassem, sentiram o sabre enfim construído planar de maneira maviosa em direção ao chão, quase como em um descanso necessário; o desejo de colo, percebido em decorrência do choro e do tremelique de um bebê recém-nascido.
ㅤㅤ— Quando eu descobri que sua mãe, minha irmã, possuía a Força… eu fiquei assustado. Assustado com o caminho que ela podia seguir — o arauto continuava a se expressar, na plenitude magnífica. — Quando ela decidiu em que não aprenderia nenhum dos ensinamentos Jedi, minha preocupação se dissipou. Então, anos depois, conheceu o seu pai, outro sensitivo. E disso, como eu já imaginava… surgiu um anjo tão poderoso quanto a união dos dois. Fazendo jus ao sangue que carregaram. Entretanto, era… era impossível não sentir o mesmo medo. Não se assustar com sua chegada. Uma jovem que, durante o crescimento, demonstrou ter tanto desbrio. Uma jovem com tanto a aprender…
ㅤㅤFinalmente abriu os olhos, contemplando a menina fazer o mesmo. Caminhou na quietude ao seu encontro, poucos metros à frente, e deixou que um perfeito sorriso se apoderasse das feições. Já ela, antes pairando sobre o solo, pôde enfim firmar os pés na grama.
ㅤㅤ— O seu treinamento está completo — respirou fundo, sentindo o peso daquelas palavras; a menina igualmente o fez. — Enfim. Após tantos anos, tantos tropeços, tantos aprendizados.
ㅤㅤCom as vistas firmes, desviou os olhares do mentor e, num momento de pura contemplação, analisou friamente a portaria da humilde e provecta residência, que compartilhava espaço com um pelo campo, de planuras imensuráveis. Posteriormente, ergueu o cocuruto e vislumbrou o horizonte disposto acima de sua cabeça. Viu duas luas destacarem-se em meio à escuridão do céu, uma maior que a outra; como um mestre e um aprendiz, que ascenderam numa aura brilhante para tentar levar luz ao céu sombrio. Ainda no celeste deslumbrante, espreitou a presença de pouquíssimos pontos de luz, como se representassem, também, pequenas e dispostas esperanças a combater toda amálgama de crueldade; jamais deixou-se esquecer da vontade de visitar cada um dos sistemas estelares.
ㅤㅤ— Estou orgulhoso de você — escutou, em seguida, ainda distante. — Feliz por enfim termos terminado tudo o que planejamos.
ㅤㅤAs vistas resguardavam uma adoração muito mais profunda do que uma simples e qualquer. Afinal, aquela menina não era uma ninguém. Tratava-se de sua sobrinha, a herdeira direta do poderoso sangue que um dia correu sob as veias.
ㅤㅤ— Eu sou… eu sou uma… Jedi? — Sorriu, piscando levemente, sentindo ser abatida por um sentimento de conquista.
ㅤㅤ— Sim, Natas… — o espectro sorriu de volta. — Você é. Como eu um dia fui.
ㅤㅤSim… como ele um dia havia sido.
ㅤㅤAntes do Império.
ㅤㅤAntes do Grande Purgo.
ㅤㅤAntes da… Ameaça Fantasma.
ㅤㅤEla, então, novamente retornou os olhares para a direção do tio, maravilhada com a notícia, enquanto suspirava orgulhosa; presente a observar com grandiosa atenção seu espectro meio sem forma, como se encontrasse desabastecido de maiores poderes. Afinal, tal habilidade, aprendida há pouquíssimo tempo, ainda era algo inexplorado na história. O sábio mestre representava o primeiro de muitos, mas, como todo bom estudante, tinha muito o que aprender.
ㅤㅤ— Agora… ascenda-se, minha querida — levantou as mãos, no gesto que as palavras simbolizavam. — Erga-se rumo àquilo que sempre quisemos.
ㅤㅤSugando todo o ar que conseguiu, presente ao redor das narinas, ela voltou a se concentrar de modo intenso. Fechou os olhos e, dotada de uma calmaria invejável, alçou a mão direita para que o sabre levitasse rumo às falanges. Enquanto, com a mão esquerda, chamou o cristal esverdeado ao teu encontro.
ㅤㅤ— Agora eu só preciso que você perceba, Natas… perceba o quanto as coisas perderam o controle desde que passei a caminhar por outros planos — os eruditos diálogos jamais deixando que o silêncio se apoderasse do local. — Como tudo acabou sendo dominado pelo mal, o universo criando uma grossa casca de escuridão. Impenetrável na mente dos mais desentendidos e desesperançosos. Mas não pra mim.
ㅤㅤE, finalmente, o cristal encontrou seu destino, dormindo agora e para sempre dentro do revestimento metálico tão amado e poderoso dos seres treinados com a Força. E a jovem Natas tornou a abrir os olhos sonhadores, sondando o objeto finalizado que já residia sobre a mão.
ㅤㅤ— Lembro-me de quando construí o meu sabre — apontou para o desígnio com a palma das mãos. — Era verde, como o seu. A cor da filosofia. Dos usuários que têm mais comodidade em relação à natureza e a tudo o que é vivo. Onde o poder mental supera todo e qualquer poder braçal.
ㅤㅤA garota apalpou-o com as duas mãos. Os dedos fechando-se em meio aos contornos que ele resguardava.
ㅤㅤ— Um poder tão singelo, tão majestoso. Os Jedi precisam renascer, de alguma maneira. E você, Natas… você é nossa mais nova esperança.
ㅤㅤA menina se lembrava perfeitamente de todas as lendas que já ouviu, tanto pelos lábios da mãe e do pai, quanto nos últimos tempos, pela visão do nobre, poderoso e falecido tio. Os Jedi eram verdadeiros seres magníficos. Muito embora seu grande objetivo, seu plano, fosse maior do que essa patife definição.
ㅤㅤ— Não é curioso que o seu cristal seja como o meu, minha sobrinha. Seu poder é forte. Sua força de vontade, inconsolável. E seus sentimentos…
ㅤㅤNatas voltou a fechar os olhos, desabastecendo o peito de todo o ar. E, para o provecto Jedi, aquilo  começou a se tornar um mau sinal. Porque algo… algo pareceu sair do controle, por um instante.
ㅤㅤ— Seus sentimentos… são… pesados — movimentou o crânio fantasmagórico na direção da menina, preocupado. — Pesados… como a sincronia de mil vozes gritando de dor e angústia.
ㅤㅤE, abastecendo-se do ar do além, perdeu o fôlego. Sentiu que a conexão entre eles fora drasticamente enfraquecida.
ㅤㅤ— Natas… o que está acontecendo? — Franziu o cenho.
ㅤㅤSentiu que o peito da jovem voltou a ser tomado por todos as clemências perversas que a dominavam na juventude. Antes do treinamento, antes de tantos anos de novas habilidades e de controle sentimental serem aprendidas. As memórias começaram a ficar cada vez mais horrendas, a aflição crescendo desenfreadamente.
ㅤㅤ— Natas?
ㅤㅤEla, então, ligou o sabre, fitando deslumbrada na direção do espectro. A luminescência verde refletindo na pele esbranquiçada da face, encurvando-se ao ser acautelada pelos olhos castanhos.
ㅤㅤ— NATAS! — Gritou o mais alto que conseguiu, mesmo que aquilo estivesse muito além de seu atual plano astral.
ㅤㅤSentiu, por fim, os midi-chlorians correndo pelas veias robustas, multiplicando-se de segundo em segundo. Acumulando cada vez mais força… acumulando cada vez mais ódio. Um poder, agora, tão assustador e… tão bruto. Poder bruto e indomável crescendo dentro de si, sem que o tio pudesse ter qualquer tipo de autoridade. No instante em que ela finalmente começou a transitar entre a luz… e as trevas.
ㅤㅤ— Qui-Gon… eu não posso ser quem você quer que eu seja. Perdoe-me.
ㅤㅤOs olhares incrédulos ainda não o permitiam digerir tudo o que acontecia.
ㅤㅤ— Mas… quando você veio até mim… quando você me ofereceu isto — olhou para as palmas das mãos, sentindo a Força poderosamente fluir por cada célula do corpo. — Quando descobri quem eu posso ser… o que eu podia conquistar com anos de treinamento, com a poderosa sabedoria que você podia me transmitir… eu percebi que nada disso fazia sentido. O senso de justiça é uma mentira. Não podemos vencer pensando desta maneira. E, com tudo o que agora sei… eu finalmente percebo que posso conquistar… conquistar tudo o que sempre quis.
ㅤㅤ— Natas, por favor…
ㅤㅤ— Eu sonhei com este dia, meu mestre. Eu sonhei com tudo isto. Perdoe-me por enganá-lo, mas… é o meu destino. É o meu destino ajudar a trazer prosperidade novamente à galáxia. Mas do meu jeito.
ㅤㅤE, no momento que proferiu tais dizeres, o sabre produziu uma das atitudes mais temidas da galáxia. O cristal recém lapidado iniciou sua incontornável corrupção. A luz verde começando a se dissipar pela lâmina, como se pegasse fogo, enquanto a cor avermelhada se apoderava de cada parcela de luminescência.
ㅤㅤ— É meu destino ajudar os inocentes. Livrar este universo de sua atual desordem!— as sobrancelhas cerraram-se, enquanto acompanhou o desespero do espectro. — A pergunta a ser feita agora, meu tio… é a respeito do lado que você está. Irá me ajudar, ou irá negar o teu próprio sangue?
ㅤㅤTomado pelo desespero, Qui-Gon Jinn ergueu uma das mãos, tentando puxar o sabre da garota rumo ao teu governo, no desejo de evitar que ela fizesse qualquer mal com a poderosa arma. Combatendo o docente, Natas firmou as falanges e impediu que qualquer pulso de energia retirasse o objeto da maúça. Ao tempo em que iniciavam um duelo, ambos sentiram que sua conexão através da Força tornava-se cada vez mais impossível de acontecer.
ㅤㅤ— Você… fugiria de uma maneira tão covarde quanto essa? — Profanou ao perceber que o espirito do tio começava a desaparecer.
ㅤㅤ— Eu jamais fugiria! — perdera totalmente a maneira serena de se comunicar. — Principalmente sabendo que eu fui o responsável por isso. Ao que parece, a corrupção impossibilita que os espectros Jedi se comuniquem com seres do Lado Sombrio.
ㅤㅤDesesperada ao perceber a inevitável verdade, a menina enclausurou a presença fantasmagórica através das poderosas habilidades, enforcando-o e, insensivelmente, transmitindo àquela figura uma quantidade expressiva de dor. Penosidade esta que o impossibilitava de praticar qualquer ação defensiva.
ㅤㅤA conexão agora já apresentava falhas consideravelmente preocupantes, como se faíscas resplandecessem através do ar. Uma espécie de ligação explosiva, como um curto-circuito.
ㅤㅤ— Já que eu não posso contar com seu auxílio, Qui-Gon… posso aprisioná-lo para que ao menos me veja conquistar aquilo anseio! — movimentou o polegar e o indicador, um contra o outro, enquanto o espectro sentiu a garganta ser ainda mais apertada. — Não tenho certeza se pode morrer de novo, mas, através dos ensinamentos proibidos, posso muito bem fazê-lo sofrer pelo resto da eternidade.
ㅤㅤO desejado ar altivo não vinha, por mais que tentasse alcançá-lo.
ㅤㅤ— Agora nós vamos até ele, Jedi. Vamos até Vader! — os músculos faciais tremiam, pelo excesso de ódio e concentração. — Vamos direto ao meu destino. Onde eu finalmente conseguirei tudo aquilo que sempre sonhei.
ㅤㅤ— Você… — Tentou se expressar, sem muitas chances.
ㅤㅤ— E somente assim, meu tio… somente assim eu vingarei nossa família — os sonhos voltaram a se apoderar dos próprios olhares. — Somente assim conseguirei trazer glória novamente à nossa linhagem!
ㅤㅤ— Você… enlouqueceu… — Conseguiu dizer, enfim, embora já não possuísse muitas forças.
ㅤㅤ— Não, Qui-Gon. Muito pelo contrário — a crescente convicção a estabelecia como uma jovem e prepotente mestre. — Eu finalmente me tornei a mais sã de todos nós.

2

ㅤㅤAs estruturas pantanosas engoliam as localidades com a maior das determinações, enquanto animais pouco insignes, encontrados apenas naquela ambiência, em relação a todo o atual universo catalogado, procriavam no intuito de jamais permitirem que suas raças fossem exterminadas de alguma maneira. Dagobah era um dos inúmeros planetas fixados nas regiões exteriores que não recebiam a devida atenção dos governos espalhados pelo cosmo; devido ao fato de não terem nada de mais a ofertar, bem como não significarem ameaça alguma para as formas de controle inteligente. Foi assim na Era da República, continuava a ser durante o regime do Império; nem os virtuosos Caçadores de Recompensa ousavam se espreitar pelas redondezas, temendo perderem suas alucinantes vidas. Isto, é claro, levava à este distante, e praticamente livre de existências sapientes, planeta uma das mais oportunas e necessárias opções de morada para seres como o pequeno e poderoso Mestre Yoda.
ㅤㅤApós o golpe de estado sofrido pelas forças do bem, incontáveis Jedi foram brutalmente assassinados pela Ordem 66, deixando pouquíssimos membros espalhados pela galáxia; é justo dizer que, em meio à tamanha diferença numérica, muitos abandonaram as vidas de senhores da paz e da ordem. Outros, entretanto, jamais deixaram que os ideais fossem deturpados por atitudes tão vis quanto as de Darth Sidious, Darth Vader e sua laia; um deles, obviamente, era nosso sábio alienígena esverdeado.
ㅤㅤNuma larga distância dali, outro sistema periférico disponibilizava a mesma função aos grandes guerreiros de outrora. Tatooine, o arenoso planeta-natal da amaldiçoada família Skywalker, demonstrava ser, ao menos por enquanto, um belo e pacífico — dependendo das regiões que frequentava, claro — ambiente de refúgio. Foi pra lá que o nobre Obi-Wan Kenobi decidiu ir, logo após o nascimento pequeno Luke, para pessoalmente entregá-lo às pessoas mais adequadas em tal momento. Ele acreditava que, diferente do que muitos supunham, não havia lugar melhor para transferir aquela criança; que cresceria sem aspirações a grandes feitos, visto a vida humilde e quieta que os tios fazendeiros, Owen e Beru Lars, levavam. Alguém que neste presente instante crescia, aprendendo nas dificuldades a se virar, tornando-se um respeitado homem de espírito, sem fazer ideia do sangue e do poder que carregava; com um glorioso futuro pela frente — algo que, desde a infância, ao observar o pôr dos dois sóis, repletos de história naquelas terras, almejava.
ㅤㅤOs poderosos mestres, anos atrás, receberam o privilégio de aprenderem sobre a Fonte da Eternidade, ensinamentos até então não muito praticados. De fato, antes da ascensão imperial, pouco se sabia respeito deste dom. Veio das mãos — ou melhor, da voz — do falecido mestre de Kenobi, o experiente Qui-Gon Jinn, os ensinamentos e afazeres necessários para alcançar e aperfeiçoar tal habilidade. Entretanto, os ainda poucos anos de treinamento e união com a Força não eram suficientes para que ambos alcançassem tal objetivo; o que, mais um tempo no futuro, deixaria de ser um problema.
ㅤㅤOs ocultos espectros da Força nasciam de uma maneira curiosa. Primeiramente, retornavam como uma presença sonora, para só então, depois de muito treino e dedicação no reino do pós-vida, poderem habitar um contorno físico senciente. Após o fim da existência carnal de um indivíduo, ele deveria aprender, caso fosse habilidoso o suficiente, a praticar incansavelmente todas essas desconhecidas técnicas, como em uma eterna aula onde a maestria suprema via-se quase inalcançável. Pouco também se sabia — e ainda pouco se sabe — sobre o que o poder absoluto do amanhã poderia render a um ser; a maioria dos conhecedores que já passaram pela existência material não acreditava que ele sequer podia ser alcançado. Todavia, fato agora constatado era que essas figuras fantasmagóricas existiam, e eram capazes de andar no mundo dos mortais desta galáxia muito, muito distante. Como se, mesmo após a alcunha de mestre, existisse muito o que aprender; um sábio tornando-se um singelo padawan na figura assombrosa do além.
ㅤㅤSempre muito esforçados, assíduos estudiosos das técnicas recém-descobertas, ambos mestres mantinham contato frequente com Qui-Gon, para que diariamente fossem criticados, ensinados, e, quem sabe um dia, dignos de tal poder. Entretanto, num distúrbio poderoso da Força, os dois viram-se desesperados ao perceber que a figura espectral, por um curto momento, pareceu fugir de seus radares pungentes; trazendo claramente uma grandiosa preocupação aos respectivos corações envelhecidos.
ㅤㅤ As duas mãos enrugadas, ainda dotadas de uma fina epiderme pálida, tocaram com carinho a grande rocha alaranjada localizada nas redondezas da cúpula residencial, uma das muitas dispostas no clima desértico da terra dos dois sóis. Numa concentração máxima, invejável até para muitos dos mais prestigiosos seres, Obi-Wan respirou fundo, iniciando uma comunicação através da Força com o outro benquisto instrutor.
ㅤㅤ— Mestre? — de olhos fechados murmurou, um tanto tímido. — Mestre Yoda?
ㅤㅤ— Hum. Jovem Kenobi! — Respondeu, com toda a aura sábia, dotado de uma calmaria sem fim.
ㅤㅤPêgo de surpresa, o pequenino situava-se tranquilo sob a minguada toca, preparando uma suculenta sopa de vegetais na panela de barro, erguida por duas diminutas pedras lascadas, dentro da igualmente abreviada lareira.
ㅤㅤ— O que comunicar-se comigo leva você, hum? — Não conseguiu esconder a curiosidade. Jamais haviam se falado desde a última vez que se viram, pessoalmente, antes das crianças serem separadas.
ㅤㅤ— Mestre, eu… — Tentou iniciar o diálogo, mas fora rapidamente interrompido.
ㅤㅤ— Costume não tem você, hum — deixou que uma lacônica onda de nervosismo o invadisse. — E isto me inquieta e preocupa.
ㅤㅤObi-Wan suspirou de feitio profundo, encontrava-se terrivelmente dominado pelo sentimento do temor. Apalpar com sutileza os fios de cabelo dispostos através do couro e da face, esbranquiçados em grande número, já não era mais páreo para acalmá-lo. Uma atitude que, por anos, tornou-se tua marca.
ㅤㅤ— Sim, mestre, eu… — engoliu seco e lambeu os lábios, apreensivo. — Eu não estou conseguindo me comunicar com Qui-Gon. De alguma forma, é como se nossa conexão tivesse se perdido. Eu jamais senti isto, mestre. Desde quando começamos a conversar, o contato é frequente. E, de alguma maneira, mesmo sem estar muito presente, sinto que ele me acompanhava.
ㅤㅤ— Hum — Yoda abaixou a cabeça, concentrado; intrigado também estava, como o velho amigo. — Sentir ele, eu também não sinto. Fora do lugar algo parece estar.
ㅤㅤ— Exatamente, mestre. — Concordou, ainda acariciando a rocha ostensiva.
ㅤㅤ— A menina. A sobrinha dele. Algo em relação a ela sinto eu — fechou os olhos agigantados, perante o físico como um todo, numa atitude meditativa. — E sinto… ódio.
ㅤㅤ— Isso não é possível, mestre — indeferiu, meio irritado ao questionar-se a probabilidade. — A garota… ela não pode ser uma ameaça. O que quer que esteja acontecendo, nada tem a ver com ela.
ㅤㅤ— Hum. Duvidoso você está? Ou apenas descrente? — Yoda novamente abriu os olhos, já analisando a fidelidade dos próprios questionamentos e suspeitas. — Com o jovem Anakin Skywalker a mesma descrença você possuía. Somente vendo o ataque ao Templo constatar a verdade você conseguiu.
ㅤㅤObi-Wan sentiu o puxão de orelha e, nobre como sempre era, puniu a si próprio em pensamentos; sempre deixava-se ser suscetível ao sentimentalismo, ao ceticismo perante às capacidades do mal que os conhecidos e companheiros podiam fazer. Em seguida, suspirou avidamente, recordando-se das infelizes situações que já passara. As memórias eram tão perversas quanto as atitudes daquele que perdeu.
ㅤㅤVocê era o meu irmão, Anakin!, tua fala brotou-se como um coelho intrometido através dos recordatórios, simbolizando as dores e os compadecimentos mais profundos. Eu amava você!
ㅤㅤ— Sobre o poder do Lado Sombrio, pouco sabemos — continuou a quase milenar criatura. — Temê-lo, sempre devemos. Até nós, mestres. Chance de erro, de fracasso, para qualquer um há.
ㅤㅤFracasso esse que abateu todos os grandes Jedi da história. Poucos os que morreram totalmente vitoriosos, seja dentro ou fora de um campo de batalha.
ㅤㅤ— Me desculpe, mestre — permitiu-se deixar de sofrer dores ainda mais intensas, cessando os pensamentos ruins. — Eu fui impulsivo.
ㅤㅤ— O que fazemos agora, hum? — bateu a puída e resumida bengala no chão, ainda chamando a atenção do anoso companheiro de crença. — Covardes por esconder nós somos?
ㅤㅤ— Não, mestre — oscilou o crânio, mesmo que aquele com quem falava não pudesse vê-lo. — Sábios por esperar a hora certa.
ㅤㅤ— Então as respostas sempre tem você — cravou, como sempre, erudito e correto. — Nada nunca é o que parece!
ㅤㅤ— Sim, mestre…
ㅤㅤ— Um forte distúrbio a menina Natas produziu — pôs-se a continuar, recobrando o assunto de segundos atrás. — Temo que para o Lado Sombrio ela tenha ido.
ㅤㅤ— Sendo assim, temos que fazer algo, mestre… — o velho homem ergueu o queixo, decidido a ajudar o ancestral educador. — Podemos–
ㅤㅤ— Nada podemos fazer, jovem Kenobi… — mesmo em idade avançada, em relação aos humanos, pouco mais de cinquenta anos eram como o início de uma vida para seres como Yoda. — O destino de Natas traçado foi. Bem como o de Qui-Gon. E nada há sobre nosso alcance. Aguardar devemos, independente do que vier a acontecer.
ㅤㅤE, então, Obi-Wan, mesmo dominado por sentimentos impulsivos, assentiu; aquela pequenina criatura sempre sabia o que dizer, como se portar, e como respeitar as situações de extrema delicadeza; isto desde os tempos áureos do Conselho. Não era agora que estaria errado.
ㅤㅤ— Concentrar no seu objetivo você deve, hum — buscou caminhar por alguns centímetros, para mexer com uma colher de madeira no interior da panela de barro, atento na temperatura e no cozimento da porvindoura iguaria. — A sua criança, como está?
ㅤㅤ— Bem, mestre — permitiu-se sorrir, somente por lembrar do angelical rosto que o menino protegido detinha. — O pequeno acabou de fazer cinco anos. É esperto, já demonstra uma personalidade valente.
ㅤㅤ— Hum.
ㅤㅤ— Mas… ainda não está na hora. — Murmurou, resoluto.
ㅤㅤ— Mesmo na idade certa estando, hora esta ainda vai demorar. — Sabiamente pronunciou Yoda, sabendo de todo o açoite que tal iniciativa carregava.
ㅤㅤ— Sim, mestre — repetidamente assentiu, findando o sorriso da face. — Treinar uma criança é perigoso hoje. Ainda mais em um local como Tatooine. Perto daquelas terras. Pode levantar muitas suspeitas. E é exatamente disto que não precisamos.
ㅤㅤ— Hum. Não é só isso que aflige você — franziu o cenho enrugado. — Medo de perdê-lo como perdeu o pai, você tem. Medo de perdê-lo para o Lado Sombrio.
ㅤㅤObi-Wan encheu e desabasteceu os pulmões de ar, tornando a ficar reflexivo como outrora.
ㅤㅤ— Quanto menos ele souber sobre a Força agora, melhor.
ㅤㅤYoda sorriu, ciente da verdade, ainda estático no cantinho em que antes estava. De olho na panela levada ao fogo.
ㅤㅤ— Ter este mesmo treinamento que estamos tendo, ele não precisará — movimentou o crânio verdeal para cima e para baixo, positivista. — Disse Qui-Gon que–
ㅤㅤ— Sim, mestre. Ele me disse a mesma coisa — engoliu uma saliva seca, tão impressionado quanto na hora que soube. — O sangue que ele carrega… o sangue que ele e que a irmã carregam… é, de uma forma inexplicável, privilegiado.
ㅤㅤ— Hum. Uma forma inexplicável, diz você — e, então, fez o movimento contrário, negativando o cocuruto, ponderando a respeito da bênção divina que aquelas criaturas receberam. — O sangue que nas veias dele corre é o sangue do pai. Do Escolhido. Coincidência nenhuma vejo eu. Para sempre viver, o Escolhido irá. Bem como seus descendentes.
ㅤㅤ— Sim, mestre. Você está correto — ansiou, afortunoso pelo fato de que o garoto, seguindo os passos certos, não teria dificuldade alguma de se encontrar com eles no além. — Eu… preciso ir agora. Tenho medo deste tipo de comunicação.
ㅤㅤYoda caçoou do sentimento do capaz, soltando uma leve e engraçada gargalhada.
ㅤㅤ— Falar através da Força é um dom que poucos sabem, jovem Kenobi. Ter medo você não deve — concentrado nos afazeres, viu que era a hora certa para retirar do fogo o que cozinhava; a fumaça transmitiu instantaneamente o odor suculento que o caldo carregava. — Mas compreendo eu, que necessária é a hora de se despedir.
ㅤㅤObi-Wan abriu os olhos, finalmente, sem perder a afluência na conversa que lhes conectava.
ㅤㅤ— Se Qui-Gon fizer contato, por favor, diga-me. Caso ele não consiga me alertar primeiro do ocorrido.
ㅤㅤO provecto e circunscrito guerreiro despejou a sopa sobre um pequeno prato de madeira, já ansioso para experimentar o caldo, junto ao tempero prontamente medido.
ㅤㅤ— Dizer eu irei. O mesmo você deve fazer.
ㅤㅤO humano, por fim, retirou as mãos do ornamento rochoso que antes se apoderava.
ㅤㅤ— Adeus, mestre.
ㅤㅤE, Yoda, continuadamente reflexivo, olhou com esperança para o pântano disposto perante as redondezas, através de uma das aberturas circulares, que imitavam janelas, sabiamente prevendo a história a partir da ligação e poderio envolto à Força.
ㅤㅤ— Até breve, jovem Kenobi.

CONTINUA…

A SEGUIR: BEM-VINDO A EXEGOL!


Inspirado pelos personagens da Lucasfilm/Walt Disney Pictures.
A saga Star Wars é uma criação do diretor, produtor e roteirista George Lucas.

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Sobre o Autor

Apaixonado por quadrinhos, cinema e literatura. Estudante de Matemática e autor nas horas vagas. Posso também ser considerado como um antigo explorador espacial, portador do Jipe intergaláctico que fez o Percurso de Kessel em menos de 11 parsecs — chupa, Han Solo!