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18NÃO RECOMENDADO PARA MENORES DE 18 ANOS

Gêneros: Drama (Tragédia), Ficção, Sobrenatural, Suspense.
Contém: Linguagem Imprópria, Violência Doméstica, Alcoolismo, Temática Suicida.

Aviso!
Os personagens encontrados nesta história são apenas alusões a pessoas reais e nenhuma das situações e personalidades aqui encontradas refletem a realidade, tratando-se esta obra, de uma ficção. Os eventuais personagens originais desta história são de minha propriedade intelectual. História sem fins lucrativos, feita apenas de fã para fã sem o objetivo de denegrir ou violar as imagens dos artistas.

HOMEM-ANIMAL: DESCANSE EM PAZ
Capítulo 1 – Buddy Baker

Se quiseres poder suportar a vida, fica pronto para aceitar a morte.”  Sigmund Freud. 


1

Tinha olhos glaucos, combalidos, um olhar perdido e inocente. Sua respiração era débil, auxiliada por meia dúzia de aparelhos hospitalares que buscavam, sem sucesso, prolongar sua curta vida em mais alguns dias. Uma faixa amarelada envolvia sua cabeça raspada, curtos fios de cabelo loiros apareciam em alguns pontos desconexos. Seus dedos infantes seguravam, sem força, os da mãe, enquanto o pai repousava ao lado de sua cama. A iluminação era meticulosa, forte, mas parecia apenas acentuar a treva que se perpetuava sobre aquele quarto. Os olhos da mulher recaíram sobre a filha, marejados, enquanto tentava, inutilmente, engolir lágrimas e soluços.
— Mamãe, pode me contar uma história? — A pequena perguntou, tomada pela fadiga da doença que acometia tua carne.
A mãe sorriu, sem mostrar os dentes. O ato sublinhava as profundas rugas que se enraizavam em sua face, exibindo um olhar cansado. Já não dormia há três dias; o pai, pegava no sono pela primeira vez em quase uma semana. Sabiam que, a qualquer momento, os aparelhos podiam deixar de emitir aquele ininterrupto bipe que tanto os reconfortava.
Ela se acomodou em seu assento, chegando mais perto da pequena.
— Qual quer ouvir?
— Uma nova.
Refletiu por alguns segundos, buscando o conto almejado nas profundezas de sua memória.
— Sabe… quando eu tinha a sua idade, conheci um anjinho.
Observou os olhos da pequena, brilhando.
— Sério?
Deu uma risada recheada de melancolia, mas ainda alegre, pela incredulidade inocente que a filha ainda irradiava. Assim, confirmou com a cabeça, sorridente.
— Sim… quando formos para casa, eu te mostro nossa foto, tudo bem? — a menina assentiu, e ela continuou. — Bom, o nome dele era Kal, e quando eu o conheci, um homem malvado havia cortado as asas dele. Ele contou que era filho do Papai do Céu e que queria ajudar as pessoas. Eu cuidei dele até suas asas crescerem de novo, e ele me contou um pouco sobre o Céu. Disse que a vista era linda lá de cima… e que podíamos perceber como somos pequenininhos aos olhos de Deus.
Sentiu os dedos da pequena perdendo a força, a pressão diminuindo em sua mão. E segurou-a com mais força, como se, assim, fosse capaz de mantê-la viva, ao seu lado. Como se pudesse segurar o espírito como segurava o corpo.
— Ainda assim, ele olha para cada um de nós, de um jeitinho especial. Ele… cuida… — enquanto a força da pequena se esvaía, as lágrimas vertiam nos olhos da mãe, o soluço escapava, a vista se tornava enevoada e trêmula. — De todos nós…
E, no único recanto sombrio da sala, havia alguém — ou melhor, havia algo. Uma presença alta, um sobretudo negro indo dos pés à cabeça. A Morte. Ela observava a cena, a face oculta sob o capuz. De alguma forma, ela sentia; de alguma forma, lágrimas também escorriam por seu rosto cadavérico.
— Me desculpe por buscá-la tão cedo, garota. — Murmurou, avançando alguns passos.
Então, de alguma forma, embora seu corpo permanecesse inerte, a pequena ergueu seus braços para ela, abraçando e aceitando-a como a uma velha amiga. A Morte a pegou no colo, silenciosa, e caminhou até a porta a passos lentos, ouvindo o lamento da mãe, o ininterrupto assovio dos aparelhos, os gritos do pai, e as desesperadas tentativas dos médicos de trazê-la de volta. Sabia que era inútil. E isso só tornava tudo pior.
Atravessou a porta devagar, a criança já dormindo em seus braços. Ninguém mais podia vê-los; ninguém mais podia ouvi-los. Mas ela estava condenada a ouvir; condenada a ouvir as lamentações dos que ficavam, até que, um dia, viesse buscá-los; na data em que se calariam para sempre. E tudo o que a consolava era o fato de que a Morte podia ser muito mais reconfortante que a vida para a maioria deles.

2

Os cabelos loiros de Buddy, longos e imundos, se organizavam num penteado rude, recaindo sobre a barba por fazer — há tempos não se atentava a detalhes tão recorrentes como estes. As cicatrizes de antigos embates, outrora quase imperceptíveis, agora eram tão profundas quanto as de um grande gladiador. Olheiras e olhos avermelhados revelavam centenas de noites mal dormidas, e o rosto estreito, ornamentando um corpo franzino e moderadamente débil, acompanhavam tais características de moléstia, somando os diversos sintomas da doença que o homem carregava.
Sua aparência assemelhava-se quase a de um pedinte, revelando sua mazela — não física, mas psicológica. Tua mente estava doente e, por isso, se encontrava ali. Desesperado, em busca de ajuda. Em busca de tratamento e, principalmente, de autoconhecimento. Sentava-se desajeitado sobre um divã, a luz entrando pelas janelas em feixes estreitos, atravessando cortinas finas com dificuldade e chegando aos seus pés.
Outro homem se erguia sobre uma poltrona notavelmente mais confortável e altiva. Usava terno, óculos redondos, e insinuava barba, numa tentativa frustrada de imitar Freud. O virtuoso Dr. Carmine, psicólogo experiente, mas atrapalhado. Um velho conhecido de Buddy, muito embora fizesse uso de seus serviços há pouco tempo. Carregava uma prancheta no colo e, sobre ela, uma caneta pronta para a escrita. As folhas mais profundas do bloco denotavam praticamente uma coloração amarelada, denunciando os quase três meses de tratamento que já haviam se passado.
— O que tem para me contar hoje, Buddy?
O silêncio se perpetuou por alguns longos segundos. Carmine estava acostumado a atitudes do tipo, mas o caso de Buddy era especial. Era preciso estimulá-lo para que começasse a falar, mesmo que fosse de leve. Ainda assim, insistir de maneira irritante poderia frustrar suas tentativas de diagnóstico. Por isso, de início, limitou-se a comentários.
— Espero que tenhamos tido um progresso nesta última semana. Mesmo que mínimo.
Os olhos de Buddy se perderam no ventilador de teto do consultório, acompanhando um giro extremamente lento. Desceram pelas prateleiras de livros empoeirados antes de se sentir pronto para iniciar o diálogo.
— Tive outro pesadelo esta noite, doutor — suspirou. — Outro sonho maluco.
— Mais um? — arregalou seus olhos de maneira discreta. — Este é o… sexto? Sétimo? — Começou a folhear seus registros, buscando as contagens.
— Décimo sétimo — respondeu Buddy, sem esforço. — Dezessete madrugas sendo atormentado.
De repente, o doutor achou que as olheiras do rapaz pareciam ainda mais profundas.
— E a criatura sobre qual me falou? Voltou a aparecer?
O olhar de Buddy se perdeu novamente nos livros das prateleiras por um momento, mas sua mente encontrava-se distante.
— Sim. — Deixou escapar, quase inaudivelmente.
— Conte-me mais.
Buddy não tardou a narrar o maldito pesadelo. Aos poucos, enquanto prosseguia, seu coração acelerou e, ao fim do relato, já sentia uma completa falta de fôlego. Os sonhos ominosos haviam começado há algum tempo. Mas a criatura só viria a aparecer pouco mais de um mês atrás. Desde então, seu terror recrudescera, e ele não se lembrava da última vez em que tivera uma noite de sono comum. O medo, a culpa e a angústia o impediam de dormir na maioria das delas, e, quando o fazia, era atormentado por um indivíduo que parecia metade homem e metade cão.
Suas vistas, brilhantes e azuis como safiras, o encaravam dia após dia, sempre que fechava os olhos. Mesmo ao se olhar no espelho, Buddy não tinha paz. Encarava-se e via o monstro de seus sonhos a observá-lo, compartilhando a mesma coloração da íris. Pela primeira vez, amaldiçoava seus pais por lhe terem dado aqueles malditos olhos azuis.
Daquela vez, como em todas as outras, o sonho envolvera morte. Via-se num lugar que lembrava um cruel cemitério, e por lá vagava, encontrando as caveiras de antigos conhecidos e parentes, vendo a si mesmo lamentar por ser o único que se encontrava vivo. Por fim, encontrara a própria tumba, antes de espertar. “Descanse em paz, Buddy Baker”, ela cravava. Sentia calafrios por cada onda que saía por seus lábios enquanto narrava.
Dr. Carmine ouviu com atenção. Não debochou hora alguma — nunca seria capaz de fazê-lo, com nenhum de seus paciente; sabia como a maioria das situações carregava uma forte áurea abalada. Refletiu durante alguns segundos sobre o relato dado. Os intervalos entre as falas, que Buddy apelidara de ”período de espera”, se tornavam cada vez mais desesperadores. Enfim, o doutor soltou uma longa expiração, parecendo tomar coragem para se comunicar com o desolado paciente.
— Sabe, Buddy, eu estou nesta profissão há mais de trinta anos. Gosto de dizer que a experiência é a maior das armas de qualquer profissional — ele apertou repetidamente a caneta enquanto falava; um tique que parecia cada vez mais irritante para o herói. — Nem mesmo o maior dos escritores seria capaz de imaginar os relatos que ouvi, aqui, nesta mesma cadeira. Relatos de todos os tipos. Sonhos, pesadelos, traumas e fetiches. Mas os sonhos… são sempre os mais peculiares. Eles sempre revelam o que há de mais íntimo em nós.
Deixou a prancheta de lado e se aproximou de Buddy, calmo, sentando-se na ponta da cadeira.
— Nossas ambições… e nossos medos — aguardou a reação do enfermiço para continuar, e sentiu que recebeu o aval necessário para se aprofundar na questão. — Céus, eu já vi os mesmos olhares centenas de vezes, enfeitando diferentes faces. Olhares de raiva, ganância, temor e ódio. E o seu, Buddy Baker… é o olhar de um homem cheio de medo.
O loiro meneou a cabeça.
— Eu não posso ter medo, doutor. Sou um super-herói.
Carmine começou a deixar o cuidado de lado, jogando afirmações e perguntas ácidas. Pareceu ignorar o terreno perigoso em que pisava.
— Isso não quer dizer que não deva sentir medo.
Buddy se virou para o psicólogo, um tanto perdido.
— Mas eu devo dar esperança às pessoas.
O doutor sorriu. Um sorriso irônico, mas bondoso.
— E como pretende dar esperança aos outros, se você mesmo não tem esperanças, Buddy?
Touché. O Homem-Animal se calou. De repente, sentiu-se nu sobre o divã, sendo exposto a todas as verdades que um dia escondera. E, céus, Deus sabia que não ansiava encarar algumas delas. Respirou profundamente, assimilando o que o clínico lhe dissera.
— Doutor, se me permite a pergunta… o que isso tem a ver com os pesadelos?
Carmine se levantou lentamente, caminhando até Buddy. Ao se aproximar o bastante, olhou discretamente para o relógio e se sentou ao lado do outro, estalando os dedos das mãos.
— Buddy… devo dizer que meu diagnóstico aponta que você tem muito medo da Morte. Os seus sonhos apontam isso, bem como as suas atitudes — fez uma pausa, olhando no fundo de suas vistas. — É o medo mais antigo e incurável da humanidade. Ainda assim, o seu ultrapassa alguns limites. Os pesadelos indicam que seu emocional está… fraco demais para lidar com tais temores de forma decente. São apenas sintomas do seu estado psicológico.
O rapaz se levantou, sentando-se no divã. O olhar que lançou ao doutor foi perdido… e desesperado.
— E como posso me livrar disto?
Carmine pôs-se de pé, ao passo que o despertador tocou. Quatro horas, em ponto. O tempo da consulta havia chegado ao fim. Pegou sua prancheta com algum cuidado, caminhando até sua mesa e organizando os arquivos.
— Você deve encarar esses medos, Buddy. Enfrentá-los.
Enquanto o paciente assimilava a informação, Carmine caminhou até a porta e a abriu para ele.
— Ter medo é normal. Até mesmo o Superman tinha medos; que descanse em paz. O que define sua coragem é como você decide enfrentá-los. É o que faz de você um herói.
O rapaz caminhou até a porta, cabisbaixo. Agradeceu ao doutor com um sorriso leve, apertando sua mão, e perpetuou os passos até adentrar no elevador logo à frente do consultório.
— Se me permite… sugiro que visite um Hospital. Um Hospital Infantil. Talvez seja a sua forma de lidar com o medo. Ter contato com crianças sempre nos ajuda e nos faz sorrir. Ainda mais as que precisam de nós.
Tais palavras foram suficientes para arrancar um sorriso sincero da face entristecida do loiro.
— Como o Shazam, doutor?
Carmine soltou uma leve risada, compadecendo.
— Sim, Buddy. Como o Shazam.

3

O sol inflamava o concreto que revestia a calçada. A construção era grandiosa e imponente, erguendo-se do solo como um monumento. Mas, ao contrário de tantos outros edifícios erigidos pelo país, aquele irradiava aquela… aquela aura singular, paradoxal e sincronicamente reconfortante, mas incômoda. A aura que apenas um hospital era capaz de espargir, como se Morte e Vida pelejassem em cada quarto, em cada corredor, em cada canto escuro.
A iluminação não fugia do habitual, mas havia algo de diferente naquele dia. Algo que tornava tudo ainda mais angustiante. Em todos os seus inúmeros quartos e corredores, no pronto-socorro, em cada sala de oncologia, e mesmo no grande refeitório, era como se uma aura sombria se apoderasse da construção, observando a todos. Como se, sobre as cabeças de todos os presentes, adejassem corvos e urubus, sentindo o fartum pútrido que assolava todos os cômodos. Em muito diferia dos dias de outrora, quando a esperança parecia raiar a cada nascer do sol, a cada diagnóstico, jamais repousando. Ali habitavam pessoas de diferentes classes, diferentes raças, e em diferentes situações. Todas a confrontar um mesmo inimigo: a Morte.
Apesar da peste e da enfermidade se fazer presente, o caos já não assombrava o local. Todos tinham seus próprios leitos, ainda que modestos. Tudo era organizado, limpo e bem cuidado. Porém, parecia ter, e de fato tinha, aquela maldita imundície inerente, que assola cada Casa de Saúde presente no mundo. A sujeira da doença, do inevitável, do luto.
E então, num átimo, veio um revés. Nos céus, os pequeninos avistaram um homem cortando as nuvens, vencendo a gravidade com facilidade enquanto sorria. O indivíduo desceu do azul celeste e pousou logo à frente da porta giratória, que demarcava a entrada. O estrondo não fora alto: Buddy ainda não se provara capaz de romper a barreira do som. Ainda assim, espertou não só as atenções dos presentes, como também algo que há pouco se perdera: a esperança.
Esticou o braço e empurrou a alavanca, adentrando o local. Trajava seu característico uniforme laranja, com um grande “A” estampado em sua frente. Feito de um material flexível, ele delineava seu corpo, ressaltando seus poucos músculos — e, agora, sua barriga, um dos traços de sua falta de forma. Era acompanhado por uma jaqueta azul escura e por um divertido óculos de aspecto retrô. Com tal visual, era impossível não ser reconhecido por todos, ainda que muitos o considerassem um “herói menor“. O Homem-Animal. Esquecido por muitos, mas, ainda assim, um herói.
Caminhou de queixo erguido, transmitindo toda a confiança que já não possuía mais. Carregava consigo o medo, o medo de ser reconhecido dos noticiários, de ser recusado ou acabrunhado. Ou pior: julgado. Ainda assim, trilhou pelo caminho que o Dr. Carmine lhe indicara: estava ali para defrontar seus temores, e o faria com louvor. Era um herói, afinal de contas, mesmo que não se sentisse assim há eras.
Acenou para os que o cumprimentavam, sempre com um sorriso no rosto. Um sorriso honesto, embora muitos, em sua maioria pais e acompanhantes dos pequenos pacientes, não esboçassem uma reação agradável. Receosos, com a cara fechada, reconhecendo quem ele realmente era. O herói buscou algumas informações na recepção e logo subiu as escadas, com uma força de vontade ímpar. Estava animado, louco para tentar fazer alguém sorrir — e tal determinação fazia questão de não esconder.
As pessoas de jaleco branco que cuidavam dos corredores presenciaram sua vinda e deram apoio. A chegada do moço dava cor aos seus olhos. Talvez aquele não fosse o herói que as crianças precisavam, ou o que mereciam, mas era o herói que elas tinham no momento. Assim, respirando fundo, Buddy adentrou o primeiro quarto, repleto de seus anjinhos debilitados. Sorriam muito, e esbanjavam alegria e vivacidade. A maioria já não tinha cabelos, outros portavam sondas no nariz; alguns, menos afortunados, se encaixavam nos dois grupos.
— Olá, crianças! — Buddy bradou, com as duas mãos encostadas na cintura e peito estufado, numa pose comum aos ídolos daquela era.
As crianças responderam com um sucinto “olá”, perceptivelmente rouco e abatido.
— Quem é ele? — Um deles cochichou, perguntado a um colega de quarto ao lado.
— Não sei… Acho que é o Aquaman. — Respondeu, cheio de dúvidas.
Os ouvidos sensíveis de Buddy atentaram-se a tais palavras. Não queria deixar aquelas crianças sem graça, então fez questão de disfarçar e acabar com a dúvida de muitos ali, sem parecer apressado demais.
— Eu vim aqui visitar todos vocês, porque recebi uma mensagem muito importante da Liga da Justiça.
— Liga da Justiça? — um deles indagou, com os olhos arregalados. — Então… você é um deles?
Buddy olhou acima do garoto, viu seu nome cravado na parede, para reconhecimento médico.
— Sim, Joseph — asseverou ele, com um sorriso resoluto — Quer dizer… eu era. — Abaixou a cabeça, as memórias emergindo rápido demais para que pudesse evitá-las. Suspirou, deixou os pensamentos ruins de lado e voltou a focar nos pequenos.
— Quais são seus poderes? — Uma garotinha perguntou, super curiosa.
— Eu posso conseguir a característica de qualquer animal que eu quiser. Ganhar suas habilidades por um determinado tempo — ele começou, andando em direção à menina e fazendo caretas jocosas. — Posso voar como uma águia, correr rápido como um guepardo, nadar como um golfinho…
— HOMEM-ANIMAL! — Outro garotinho gritou, no canto da sala, finalmente reconhecendo-o.
— Isso mesmo, pessoal. Eu sou o Homem-Animal! — Buddy falou, contente, tentando olhar para cada uma das crianças que estavam no cômodo. E, diante de seus sorrisos, da esperança que ostentavam em seus rostos, sentiu seu coração ser aquecido. Mesmo que muitos não soubessem ao certo quem era, já o acolhiam como um herói tão digno quanto Superman ou Shazam, e isso lhe trazia o mais puro dos deleites. Carmine estava certo. Talvez aquela fosse a forma ideal de lidar com seus receios.
— Minha mãe falava muito de você — o garotinho continuou, esforçando-se para falar — Por que você sumiu, Homem-Animal? — sua pergunta soou inocente. Não acompanhava os jornais. Talvez porque não conseguiria entendê-los, talvez porque fosse jovem demais para se preocupar com eles.
— É complicado, Daniel — Buddy respondeu, novamente aproveitando-se do nome escrito na parede. — Mas acho que agora eu voltei. Agora tudo vai voltar ao normal.
— Homem-Animal… Homem-Animal… — uma miúda parecia intrigada, refletindo a respeito de Buddy — Qual o super-vilão mais malvado que já enfrentou? — Perguntou, novamente demonstrando sua curiosidade quase palpável.
— O super-vilão mais malvado que eu já enfrentei, Lisa? — ele disse, olhando para o alto, refletindo. — Bem, eu já enfrentei muitos caras malvados. Mestre dos Espelhos, Sindicato do Crime, Darkseid…
— Então você já viu o Darkseid de perto? — Daniel perguntou, boquiaberto.
— Sim, Daniel. Eu já vi. Mas isso foi há bastante tempo. Teve uma vez que eu ajudei a Liga a derrotá-lo. Ele é muito, muito assustador. — Buddy expressou, dando ênfase ao final da oração. Apesar de forçar-se a reduzir o impacto da frase, era verdade. O medo que Buddy sentira daquela vez… fora imenso, muito embora não parecesse nada comparado ao que sentia atualmente, em seus pesadelos.
Observando o resto do quarto, o Homem-Animal avistou um garoto, remoído no canto. Ainda não tinha pronunciado uma única palavra. Apenas assistia a tudo, sem querer participar, com um olhar entristecido. Um menino franzino, de óculos grandes, banguelo de alguns dentes de leite. Visualmente não podia fazer muitos esforços, então o Homem-Animal fez questão de ir até ele, aproximando-se com cautela.
— Olá. Qual o seu nome? — Buddy perguntou.
A criança estava deitada em sua cama, com um cobertor bem grosso. Tratava uma leucemia, que a atingia desde seus primeiros anos de vida.
— Charlie. — Ele respondeu, muito envergonhado.
— Por que não diz nada, Charlie?
O garoto o fitou por alguns longos segundos, sem pronunciar uma única palavra. Seus olhos eram arregalados e ele respirava com dificuldade.
— Eu estou com um pouco de medo.
Buddy riu, um pouco encabulado.
— Medo? De mim? — ele maneou a cabeça, incrédulo. — Não precisa ter medo de mim, Charlie.
Dessa vez, o menino colocou seus olhos rentes aos de Buddy. Entreolharam-se intensamente. Com uma certa dificuldade, de boca trêmula, o garotinho deixou fracas palavras saírem de sua boca.
— Você não vai me bater também… vai? — Perguntou, com um tom de voz mínimo, porém audível.
Aquelas palavras entraram na mente de Buddy e ricochetearam bem forte. Seu coração bateu com força uma, duas vezes, e então parou. Sentiu mistos de calidez e frio. Sua face ruborizou e um intimidado Buddy logo se despediu dos pequenos, embaraçado demais para continuar naquele quarto. Aquele garoto fora o único que conseguira ver sua real face, o monstro que Buddy Baker realmente era. Visitou inúmeras outras crianças naquele hospital depois, passando grande parte da tarde ali. Ainda assim, a frase parecia ecoar infinitamente em sua cabeça, como se simplesmente não quisesse ir embora. Mas, aos poucos, conseguiu recuperar suas energias e se sentiu um novo homem. Visitando o décimo oitavo cômodo, percebeu que as crianças daquele quarto não sorriam, e uma das camas estava vazia, com inúmeras cartinhas e balões sobre ela. Fitou o leito por um instante e, apesar do evidente desânimo dos pequenos pacientes, ele se aproximou e conversou um pouco.
— Oi, pessoal! — Disse Buddy, sorrindo.
As crianças o olharam, com os olhos marejados e cabisbaixos demais. Seguido disso veio um fraco “olá”, que sem um determinado esforço nem ao menos poderia ser ouvido.
— O que aconteceu? — Perguntou a um dos garotos, que sequer fez questão de encará-lo. Estavam todos realmente tristes demais.
Uma enfermeira adentrou o local de supetão, logo em seguida. Estava encarregada de recolher os pertences da paciente que não mais se encontrava ali. Buddy, ainda curioso, aproximou-se com lentidão.
— Enfermeira… — ela o olhou e virou suas atenções. — O que aconteceu aqui?
— Uma criança faleceu esta madrugada — ela disse, voltando suas atenções para a cama e iniciando seus serviços. — As outras crianças a adoravam. Elizabeth era a alegria deste quarto.
— Por isso estão tão tristinhas. — Bradou ele, olhando ao redor.
A enfermeira recolheu a faixa amarela que a garota usava em sua cabeça e mostrou para Buddy.
— Ela usava isso para esconder seus poucos fios de cabelo — riu, com um leve tom de sofrimento — Adorava brincar de pirata. Dizia que, se um dia saísse deste quarto, velejaria os sete mares — olhou para o resto do cômodo, com lágrimas nos olhos. — E os garotos e garotas daqui diziam que, se saíssem também, fariam parte de sua tripulação.
— Uma pirata, hein? — sorriu ele. — Como Jack Sparrow?
— Acho que não — a enfermeira respondeu, tendo tudo já em mãos, após terminar de organizar a cama — Jack Sparrow não faz barulhos estranhos com a boca, como ela fazia. — Terminou dizendo, saindo do local sem se despedir.
Buddy, não perdendo as esperanças, perpetuou no quarto, tentando ao máximo alegrar aquelas tristes crianças. Fez brincadeiras, explicou sobre seus poderes e voltou a repetir tudo o que havia dado certo com os outros pequenos pacientes, dos diferentes cômodos pelos quais passou. Mas não conseguiu sucesso.
E, então, a mãe de uma das crianças que estava internada no local adentrou o quarto. Fazia sua terceira visita diária ao seu pequeno companheiro. O olhar de Buddy se entrelaçou com o da mulher, e ele sentiu. Sentiu o medo misturado ao ódio que surgiu em seus olhos, sentiu um choque correr sua espinha, e soube, soube que ela o havia reconhecido. Que sabia o que tinha feito. Antes mesmo que os lábios dela se abrissem em cólera, ele baixou o olhar e aguardou a desgraça.
O QUE ESSE HOMEM FAZ AQUI? — vociferou, chamando todas as atenções. As crianças se assustaram e permaneceram caladas, quase petrificadas. — ENFERMEIRAS! Tirem esse… esse monstro de perto das crianças!
Buddy se assustou, perplexo com tal atitude repentina. Estava ali apenas para dar um pouco de alegria para os garotos e garotas — e, quem sabe, para ele mesmo. Ainda assim, sentiu algo emergir em seu coração. A sensação… a sensação que merecia tal punição. Sentiu os olhos inundarem, e recuou. A cabeça palpitava.
Você não vai me bater também… vai?
Não se despediu, muito menos terminou sua visita aos demais quartos que faltavam. Aos prantos, apenas caminhou até a janela do quarto, e alçou voo através dela.
Tirem esse monstro de perto das crianças!, ouvia em sua mente.
Talvez não tenha sido uma boa ideia fazer tudo aquilo, afinal. Talvez Carmine estivesse errado. Cinco meses… era recente demais.
Você não vai me bater também… vai?
Voou para casa, com as palavras ainda ribombando em seu crânio. Eu mereço, pensou. Eu mereço toda esta merda, não é?
Não, Charlie, eu não vou te bater, quis dizer.
Não vou beber mais, meu amor. Nunca mais. Queria ter mantido a promessa.
Mas agora era tarde. Tarde demais para ele.

4

Singrava os céus em velocidade ímpar, tão sublime quanto o falcão peregrino que voava metros abaixo de teu corpo, de quem adquiriu momentaneamente suas habilidades revoantes — ainda que, por dentro, não se sentisse mais que um grandioso pútrido cadáver; não mais magnificente ou imponente que um de seus vilões de outrora. A amplidão ciana e magenta guardava, além de sua presença, a estada de diversas outras aves; algumas delas traçando seus famosos cursos migratórios, outras à procura de petiscos e lugares plenos para descansar. Os urubus rodopiavam na safira majestosa atrás de carniças ambulantes para saciar suas fomes diárias; por um pequeno espaço de tempo, viram a figura do herói como uma deliciosa e encantadora iguaria — pútrida como qualquer outro alimento que vislumbravam e saciavam em suas subnutrições. Embora se encontrasse em tal velocidade, os ouvidos do Homem-Animal não mais captavam o vento a rugir ao seu redor; haviam palavras que ribombavam em sua mente, sem parar, praticamente enlouquecendo-o, e o deixando ainda mais paranoico.
Olhou para baixo, da imponência das gigantescas nuvens chuvosas, e observou as proporções diminutas do mundo ao qual pertencia. De cima, ele via os esqueletos revestidos por epiderme e músculos aproveitando suas existências mundanas, que de perto impunham respeito e tomavam seus queridos espaços carnais; entretanto, agora, do celeste acima de seus cocurutos, todas as vidas ali presentes não simbolizavam mais que formigas ambulantes e fragilizadas.
Saboreou com desgosto, por alguns segundos, a insignificância que representava, mesmo estando acima e aparentando ser maior do que todos; a ira que espertava em corações alheios, e a dura verdade: naquele momento, sua partida, sua… Morte, não traria sofrimento ou dores agonizantes; ninguém naquela terra ousaria derramar uma lágrima sequer sobre seu caixão.
Tirem esse… monstro de perto das crianças!
Voltou a concentrar em seu voo, devagar, e passou a recordar-se das bebidas, das brigas com Ellen, da expulsão da Liga da Justiça — não era digno, e provavelmente nunca mais seria, para integrar o grupo. Há tempos não transmitia heroísmo ou coragem em suas atitudes — muito pelo contrário: hoje, não passava de um covarde.
Você não vai me bater também… vai?
Divagava perigosamente em seus pensamentos, teus olhos inertes vislumbravam os próprios punhos a atingir Ellen e, vagarosamente, sendo confundidos aos do pai, acertando a mãe, Brian, e, por fim, atingindo a ele mesmo. Estremeceu, subsequentemente, e derramou uma lágrima — ressecada seguidamente pela força da ventania incidindo sobre teu rosto branco.
Buddy, querido, o que aconteceu?
Agora ainda mais devagar, deixou que os poderes do falcão o deixassem. Lentamente, sentiu a resistência do ar diminuindo, seus braços perdendo a sustentação e seu corpo o equilíbrio. Calmamente, seus pensamentos eram tomados por palavras de ódio, por arrependimento, por desgosto e desprezo de si mesmo; somados a um inflexível e aterrador anseio suicida. Relaxando os músculos, viu Ellen chorando à sua frente, e viu o pai gritando à frente de seu rosto, com pequenas gostas de saliva o atingindo.
VOCÊ destruiu esta família!
Despencou, o asfalto se aproximando alucinadamente, a vigorosa corrente de ar tentando inutilmente o empurrar para cima, porém o peso fazia uma força crescente contra a própria ajuda da natureza. Não chorou mais, nem gritou por ajuda. Não houve sequer temor ou ódio em seu semblante. Tudo o que havia era indiferença, seus olhos clamando desesperadamente pela vinda da Morte, fosse como fosse.
Lembrou-se de um carro a capotar; do já falecido Superman a gritar, levando-o posteriormente algemado de sua residência. Lembrou-se do medo nos rostos de Cliff e de Maxine naquela fatídica noite, convergindo com o temor do pequeno garoto reclamando por ajuda, acompanhado depois da fúria que sentira irradiar de seu próprio filho, somados ao desespero e indignação no rosto da mãe no Hospital.
Chega, pensou ele. Apenas… chega.
Mas, quando estava a poucos metros do asfalto, uma imagem abalroou-o com a força de um tiro. Uma lembrança, praticamente esquecida, de um dia que já parecia ter ocorrido há um eon. Recordou-se de Cliff, repousando pela primeira vez em seus braços, e tal imagem pareceu vir acompanhada por uma frase, há muito perdida nas profundezas de sua memória.
Oi, pequeno Cliff. Eu sou seu papai.
Recordou-se da primeira vez em que os dedos de seu recém-nascido seu filho apertaram teu indicador, sentindo-o e agraciando seu progenitor com um singelo, porém importante, amor; e recordou, em seguida disso, do primeiro beijo que deu em sua testa. Chorou ainda mais, porém findou a própria queda, sentindo uma profunda dor no interior de seu peito.
A dor… significava que permanecia vivo. E que, ainda assim… precisava tentar.
Pelo menos mais uma vez.

5

A noite chegou de forma fugaz, e o senhor Baker já repousava em sua moradia, antigo lar de sua família. A fadiga já lhe parecia quase inerente. Caminhou com um pouco de dificuldade até a cozinha, os cabelos loiros ensebados recaindo sobre o rosto, e puxou a gélida e metálica porta da geladeira. Fitou-a por alguns instantes, o bafo álgido alvejando-o em cheio. Pouco havia do lado de dentro: apenas umas poucas fatias de queijo, pedaços de pão já esverdeados e uma garrafa de uísque pela metade. Pegou esta última, ajeitando-a e arrancando a tampa com os dentes. Caminhou até a mesa de madeira, eivada pelo álcool de inúmeras noites passadas. Arrastando os pés encardidos pelo chão, puxou uma das cadeiras e sentou-se. Involuntariamente, soltou um bufo, a dor nas costas chegando, cortante. Um longo suspiro se seguiu, de alívio. Seu físico estava absurdo, lastimável, ainda mais considerando sua profissão. Céus, se um dia como aqueles já era capaz de exauri-lo, imagine um de labuta, a combater o crime? Meneou a cabeça, buscando olvidar tais verdades. O álcool o ajudaria a esquecer.
Na pia, incontáveis garrafas podiam ser vistas, todas vazias; muitas no chão, despedaçadas. A casa não se encontrava em melhor estado: móveis estavam virados de cabeça para baixo há dias, lâmpadas queimadas caídas pelo chão. Centenas de baratas e ratos faziam daquela morada seu lar, correndo à plena vista de seu dono. Pouco importava. No fim, a casa nada mais era do que o reflexo do estado emocional de Buddy, sombrio e imundo, muito embora bases louváveis tivessem erigido seu caráter.
Como se deixara fazer aquilo?
Se deliciou por alguns segundos com a bebida, a sede e a angústia tornando seus goles cada vez mais longos, e os intervalos entre eles cada vez menores. A bebida verteu pelo canto de seus lábios rosados e foram ao chão, fluindo pela barba crescida e malcuidada. E, quando tornou a garrafa à mesa, o som que o impacto produziu reverberou por todo o cômodo, muito embora não fosse tão alto quanto seus soluços e lamentos.
Se levantou, ainda com dificuldade, e foi até o telefone. Os dedos brancos, porcos e ásperos, retiraram o aparelho do gancho enferrujado e apertaram os pequenos botões do discador. O bocal foi levado ao rosto, ao mesmo tempo que seu ouvido tocou o discreto alto-falante. Agora, já não era Buddy Baker e nem o Homem-Animal. Era uma alma castigada e um marido arrependido. Discava o número de Ellen, sua ex-esposa. Clamava por uma conversa civilizada.
O bipe emitido durante a espera o convidava a remoer seus erros e a findar a ligação. Sentiu uma pequena náusea, seu estômago revirou… e umas poucas lágrimas verteram, até que o bipe findou, e ela atendeu.
Permaneceram em silêncio por uns poucos segundos. Buddy escutava a respiração de ex-esposa, sonhando em tê-la ali, ao seu lado, almejando ouvi-la de novo, durante as noites. Céus, sentia saudade mesmo das reclamações dela, e das broncas, e de todo o resto.
Permitiu-se tomar coragem por alguns átimos. Sabia que não seria fácil. Inspirou fundo, olhou para cima, e começou:
— Alô? Oi, Ellen… é o Buddy. Está ocupada?
— Estou ajudando a mamãe com a janta. O que você quer? — Disse, com uma voz rouca e com a falta de emoção emulada. Ele percebeu que ela acabara de chorar.
Engoliu em seco. Tremia loucamente. Ouvir a voz dela era mais difícil do que imaginara.
— Hum… bem… hoje mais cedo o seu advogado entrou em contato comigo, veio me falar sobre a divisão de bens e….
Ela o interrompeu, apressada:
— Sabe, Bernhard, se eu pudesse, não ia querer nada do que já nos pertenceu. Nada do que é seu também. Mas Cliff e Maxine têm o direito de…
Ele se enervou, fechou o punho.
— Eu não ligo para o que vamos dividir. Eu liguei pra falar que não precisa mandar ninguém me dar recado, pode falar comigo você mesma. — Pronunciou tais palavras com cólera, e também algum cansaço. Já não aguentava tudo aquilo, aquelas hostilidades, tão avessas às atitudes de outrora. Tão avessas ao amor que nutriram por tantos anos.
— Eu não tenho mais nada para falar com você, Bernhard. Quero que me deixe em paz — embora não pudesse vê-la, sabia que também segurava o choro. — Aliás, faz um favor: não liga mais aqui pra casa da mamãe.
Ele suspirou uma vez mais, e demorou para pronunciar suas próximas palavras. Chorou. Chorou em silêncio, muito embora estivesse certo de que ela o escutava.
— Bernhard, ainda está na linha?
— Estou com saudades, Ellen — sua voz saiu rouca, tanto pelas tristeza quanto pela bebida. — Suas, do Cliff, da Maxine. Vocês não sabem a falta que…
— Mas ninguém aqui está com saudades de você, Bernhard. Queremos distância. Isso é pedir demais?
Seus olhos arderam, seus lábios tremeram, e ele ergueu a cabeça, buscando enfim segurar o choro.
— Ellen… por favor… me perdoe.
Aquelas palavras entraram pelo ouvido da mulher e ecoaram por sua mente. A fizeram lembrar daquele maldito dia em que estava de roupão na sala de estar, preocupada; lembrar daquele detestável som produzido pela força com que Buddy bateu a porta na parede, ao abri-la. A forma como entrou completamente adulterado; como caminhou pelo corredor rumo à cozinha, nervoso.
— Buddy, querido, o que aconteceu? — Ela perguntou, inocentemente. E ele não respondeu.
— Aqueles desgraçados! — Disse, abrindo a porta da geladeira e pegando a primeira bebida que viu pela frente.
— Ei, você está completamente bêbado, Buddy! Vai beber mais ainda?! — Bradou ela, tentado arrancar a garrafa de sua mão.
Dois pares de olhos infantes, azulados, observavam os acontecimentos por debaixo do corrimão. Logo, verteriam em lágrimas de espanto e tristeza, e também de fúria. Não só forçados a ver, mas também a escutar, quando os golpes do pai atingiam a mãe, jogando-a ao chão.
TIRA ESSA MÃO DE MIM, SUA VAGABUNDA! — vociferou, alvejando-a novamente com seus tapas. — Não venha tentar me impedir de fazer as coisas. EU SOU A PORRA DO HOMEM-ANIMAL!
E Maxine observou, as lágrimas caindo por seu rosto, muito embora não emitisse som algum. Cliff engoliu em seco, fechou os punhos, as unhas afundando sobre a própria carne. Por um momento, quando a razão lhe faltou, só não saltou sobre o pai porque faltaram forças. Sentia ter as pernas feitas de manteiga. Em seguida, voltou a pensar, e reprimiu os próprios instintos; sabia que uma atitude do tipo só pioraria a situação. Naquele momento, enfim, as crianças viram que, seu pai, na verdade, não era um herói. Não naquele momento, não dentro de casa.
Aos olhos de Cliff, o pai se mostrava um vilão pior que Parallax, ou Brainiac, ou Darkseid. Porque estes, hora ou outra, teriam seus danos findados pelos mocinhos. Mas o que Buddy fazia… aquilo jamais seria reparado por sopros congelantes ou visões de calor.
VOCÊ ENTENDEU, SUA VAGABUNDA? Não manda em mim! — Baker terminou, apontando o dedo contra ela, e enfim deixando o cômodo, indo à sala e ligando a televisão, embriagado o suficiente para agir como se nada tivesse acontecido. Cambaleava, e caiu sobre o sofá, com a mão direita embebida em sangue e álcool.
As crianças, enfim, correram até a mãe, já desacordada no solo.
— Mamãe? Mamãe? — Maxine chamou, balançando Ellen com toda a força que tinha.
Cliff logo deixou os esforços de lado, lançou ao pai outro olhar raivoso e frustrado, e correu para pegar o telefone. Desesperado e tremendo, mas determinado, o jovem ligou para a primeira pessoa que pensou, alguém de quem era muito amigo; e provavelmente o único que poderia ajudá-lo naquele momento.
— Alô, Superman? Aqui é o Cliff. Cliff Baker — ele disse, bem baixinho, com medo dos ouvidos ébrios do pai. — Isso, filho do Homem-Animal.
Enquanto isso, Maxine continuava a sacudir a mãe e a falar baixinho em seu ouvido. Os olhos já inchados de Ellen começaram a se abrir, com dificuldade. Não tinha forças para falar, mas despertar já se mostrava um bom sinal.
— O papai… ele acabou de bater na mamãe — sussurrou Cliff, a voz hesitante, o tremor cada vez maior. — Ela está muito machucada. Por favor, ajuda a gente, Superman. — O garoto encerrou, temeroso, e bateu o telefone no gancho, rapidamente.
Não demorou muito para que o Homem do Amanhã chegasse à casa dos Baker, acompanhado por duas viaturas policiais. Sem tocar a campainha, o Homem de Aço adentrou quebrando a maçaneta e abrindo a porta. Buddy estava sobre o sofá, dormindo, a saliva escorrendo pelo rosto, a garrafa no colo, iluminado apenas pela luz branca da TV. Ellen e as crianças estavam na cozinha, ainda remoídos em um canto, chorando de medo.
BUDDY BAKER! — Gritou Superman, com seus olhos vermelhos, quentes como chamas, rodeado por brasas, e uma cara de poucos amigos. O brado acordou o Homem-Animal instantaneamente, e seria ouvido por todo o quarteirão.
— Você está preso!
Talvez aquela tenha sido a única vez em que Cliff viu o Homem de Aço parar de sorrir; a única vez em que o viu nervoso. Isso acontecera cinco meses atrás. E quando Ellen terminou seu pequeno devaneio de más lembranças, foi fria o suficiente para responder o que seu ex-marido tinha lhe falado.
— Tarde demais, Bernhard. Isso não tem perdão. — Ela terminou, mais uma vez emulando uma falta de emoções, e colocando o telefone de volta no gancho.
O som da ligação cortada fez Buddy suspirar. Deixou o telefone escorregar de sua mão e ficar se balançando, preso apenas pelo fio em formato de mola. Pegou a garrafa que estava sobre a mesa, sem olhar para ela, e caminhou a passos lentos até o banheiro, no segundo andar. No local, que já havia abrigado uma enorme e densa selva no passado, Buddy parou à frente do espelho e observou durante longos segundos o próprio rosto. Já não era capaz de reconhecer a si mesmo.
Estava pálido, seu cabelo sem cor, e todo o seu corpo fedia. Sujo, por fora e por dentro. Por um breve momento, viu a terrível criatura de olhos azuis no lugar do reflexo, com aquele mesmo olhar, a encará-lo. Sentiu um arrepio subir pela espinha, mas não ligou muito dessa vez. Apenas esticou seu braço e abriu o armário que ficava dentro do espelho; de lá tirou três frascos de remédios, e fitou um em especial por uns poucos segundos. Arrancou sua tampa e o virou sobre os lábios, deixando que nove comprimidos descessem pela garganta. Antidepressivos. Guardou os frascos restantes de volta e voltou a fechar o armário. Se observou durante mais alguns segundos e os engoliu com a ajuda da bebida que tinha deixado em cima da pia. Por fim, abriu a torneira e lavou o rosto.
Mas a sujeira impregnada… esta não saiu. Ah, não. Ela jamais sairia.
Uma última vez, observou-se no espelho, vendo novamente o monstro de olhos azuis que o encarava do outro lado. O ódio tomou seu corpo, e golpeou o próprio reflexo com toda a força, deixando o vidro em pedaços. Soltou um uivo, um grito desesperado, de pura angústia, e deixou que o sangue de sua mão manchasse o que restara do objeto.
Em seguida, debruçou seu ombro na parede e permitiu que as forças, que o mantinham em pé, se fossem. Teu corpo escorregou por ela e foi de encontro ao chão. Sentado no solo, ele apoiou a cabeça no pé da pia e, em sua mente perturbada, vozes baixas começaram a reverberar. Eram de Ellen e dele mesmo, no dia em que ela partiu, para nunca mais voltar.
— Ellen, você enlouqueceu? Ellen! Volte aqui! — Gritou Buddy, algemado, na sala de estar, vendo sua amada e seus filhos saírem com as malas feitas às pressas, em direção a uma das viaturas.
— Você vai deixar mesmo tudo isso acontecer? — ele continuou bradando alto. — Ellen, eu estou falando com você!
A ruiva parou e colocou a pesada mala vermelha que segurava com sua mão esquerda no chão. Se virou para o, até então, marido, mostrando a ele, bem de perto, seu olho roxo, e os rastros que o punho dele deixara em sua face.
— Tem certeza que sou eu quem está deixando tudo isso acontecer, Buddy? — ela fitou-o bem nos olhos — VOCÊ destruiu esta família! Não é a primeira vez que isso acontece e, se continuássemos, não seria a última — virou as costas para ele, suspirando e meneando a cabeça. — Eu cansei.
Caminhou até a viatura, seguida por Cliff e Maxine, ambos calados. Viu a porta da casa ser fechada e fez questão de acompanhar com os próprios olhos Buddy entrando na outra viatura.
Ele não chorava daquela vez. Diferente de agora. Com a cabeça encostada ao pé da estrutura de porcelana, Buddy escorregou mais uma vez, colocando seu corpo por inteiro no chão. Deitou-se em uma posição fetal, ao lado da garrafa de uísque e da poça de água escurecida que escorreu do box onde ficava o chuveiro. Seus olhos já ardiam, as lágrimas escorrendo, as pálpebras inchadas e as escleras vermelhas. Babando e totalmente fraco, Buddy Baker desesperadamente clamou por sua partida. Pediu que a Morte não demorasse, pediu que ela o acolhesse logo, sem mais delongas. Perdera Ellen e as crianças, dessa vez para sempre; nada mais importava, nada mais nunca iria importar.
Com muita dor de cabeça, finalmente dormiu, ali mesmo, rezando para nunca mais acordar.

6

O vento uivava, soprando as folhas ruivas pela floresta, os galhos secos tremulando e rangendo sob sua força gélida, anunciando a chegada próxima do inverno. A relva escassa e já sem cor recobria a terra, acompanhada pelas folhas mortas do Outono. A umidade inexistia. Qualquer passo movimentado em falso geraria ruídos, e qualquer ruído espantaria sua presa. Do verde e vermelho dos caules outonais erguidos sobre o chão, a vista era modestamente iluminada pelos raios alaranjados do pôr do sol. Sob eles, o cervo marchava, emitindo leves ruídos com seus passos. Estava absorto e esfomeado, sondando o solo em busca de resquícios de comida.
— Está vendo, Buddy?
— Sim, papai. Estou vendo.
— Agora tenha calma. Respire fundo, mire direito, e atire.
O garoto segurava a enorme e pesada espingarda com debilidade. Suas mãos suavam e tremiam, a transpiração perturbava sua visão. Sua jaqueta, surrada e de segunda mão, herdada do irmão, tornava tudo ainda mais abafado e asfixiante. O coração batia com tanta força que a fazia saltar. Seu boné, ajeitado com dificuldade na cabeça, já não mais bloqueava que a luz do sol, agora baixo, chegasse aos seus olhos.
Ainda assim, não era nada disso que realmente o impedia de desferir o tiro. Era ele mesmo.
— Eu… — o garoto hesitava; temia a cólera do pai. — Eu não consigo, papai.
— Como assim não consegue? — Inquiriu o velho Baker, com as sobrancelhas encontradas. O pequeno Buddy sentia a ira em sua voz, mas já era tarde demais.
— É… é só um animalzinho! Eu não… eu não quero feri-lo.
Buddy esperou um brado, um golpe, uma bronca. Mas não esperou que o pai simplesmente desse de ombros, meneando a cabeça.
— Então não teremos o que comer na janta. — Respondeu, encarando os encantadores e pávidos olhos azuis do garoto.
— Mas, papai, eu não consigo — o menino olhou novamente para o animal, dessa vez sem a mira. — Eu só… não consigo. — Suspirou.
— Tudo bem, Buddy. Sem problemas.
O velho Baker então repousou sua mão esquerda sobre o ombro de seu filho, arrancou a espingarda de suas mãos e mirou o animal. Ativou o cão da arma, dando ignição às balas, e respirou bem fundo, sem sequer piscar. Enquanto o cano do armamento se encontrava perfeitamente paralelo ao solo, sem tremer por um único segundo, baixos pios emitidos por um ninho de passarinhos próximo eram os únicos barulhos inteligíveis naquele mundaréu selvagem e outonal. A calma se preponderou perante o velho homem, que se sentiu parte da natureza por completo e foi frio o suficiente para puxar o gatilho sem soltar uma gota de suor.
O som do disparo, que atravessou o crânio do cervo com precisão, ribombou pela floreta e espantou alguns animais próximos, que correram sem rumo. O animalejo atingiu o solo com força, já inerte antes mesmo de tombar. A fumaça proveniente do disparo ainda mascarava o rosto do pai de Buddy quando ele pronunciou suas brutas palavras.
— Está vendo, filho? Isso é o que os homens de verdade fazem — ele voltou seus olhares para Buddy. — Eles caçam. Caçam ou deixam sua família morrer de fome.
O garoto ouviu com atenção e observou a cena perplexo, pávido demais para responder.
— Venha, me ajude a embrulhá-lo e levá-lo para o carro.
O garoto seguiu seu pai, cabisbaixo. Enquanto seu velho colocou a arma no chão e esforçou-se para pegar o animal morto e colocá-lo nas costas, Buddy observou com atenção aquilo que considerou a mais perturbadora imagem de sua vida. A cabeça do animal, despedaçada, parecendo paralisada num semblante de horror. Ao seu redor, uma gigantesca poça sangue espalhada, recheada de pequenos pedaços de seu cérebro. Seus olhos estavam saltados, presos ao corpo apenas por seus insignificantes e frágeis músculos.
As mãos de seu pai ficaram repletas da seiva vermelha rapidamente, após o mesmo manejar o corpo com certa dificuldade.
Naquele momento, Buddy, pela primeira vez, viu seu pai como um assassino.
— Pegue as patas de trás e as levante, Buddy. Vou colocá-lo nas minhas costas.
O garoto, ainda perplexo e aterrorizado, não mexeu um só músculo. E o temor que nutria pelo pai recrudesceu, naquilo que seria a semente de um futuro ódio. As palavras ditas por seu velho entraram quase inaudíveis por seus ouvidos, graças ao pavor, mas foram compreendidas.
— Buddy! BUDDY! — Vociferou o velho Baker, olhando enfurecido para o filho.
— Eu não posso pegá-lo, pai. — Fez um sinal de negativo com sua cabeça.
— Como é que é? Está com nojo, por acaso?
— Eu não… não posso manchar minhas mãos de sangue também. — O menino disse, quando seus olhos encheram d’água.
— Seu irmão tem razão. Você é um frouxo — bradou o homem, rangendo os dentes. — Pensei que trazê-lo para caçar o ajudaria a deixar esses mimos de lado, mas acho que me enganei.
Buddy apenas o fitou, calado. Reprimia o choro com dificuldade.
— Isso é tudo culpa da sua mãe — o pai falou, retirando suas mãos do cervo morto e as limpando em sua calça velha. — Passou tanto a mão em sua cabeça que se tornou um fresco. Um maricas!
O velho Baker então retirou do solo a espingarda e pegou em seu bolso direito duas cápsulas de balas, que usou para recarregar o armamento. Virou o bico da arma no rumo da face de Buddy, que arregalou os olhos e colocou as mãos à frente do rosto, como se, de algum modo, elas fossem capazes de protegê-lo.
— Papai, o que está fazendo?
— Neste mundo só há lugar para homens de verdade. — O velho disse, rangendo os dentes.
Pela segunda vez naquele dia, o cão da arma foi ativado. Dessa vez, a caça do caçador era seu próprio filho.
PAPAI!
Ele acionou o gatilho, desprovido de qualquer sentimento.
BANG.

7

Um som agudo e intenso reverberou pela residência, penetrando as paredes. Buddy Baker despertou assustado, tremendo e aliviado por tudo aquilo não ter passado de um devaneio. Libertou-se daquele pavoroso pesadelo — mais um deles, sempre detestáveis, acordando seus mais profundos medos.
O homem loiro, encharcado de suor e com a cabeça doendo, se levantou com muita dificuldade. E, num impulso rápido demais, bateu a cabeça com força na pia, num ato que anunciava sua debilidade. Voltou ao chão, levantando-se uma vez mais, agora com cuidado, enquanto praguejava. Seus músculos doíam, e as pernas pareciam não querer responder os comandos do cérebro. Por fim, ergueu-se sobre o chão gélido, com a ajuda da pia ensanguentada. Logo, caminhou cambaleando rumo à saída do cômodo. Os sintomas da ressaca já haviam começado, das dores de cabeça à ânsia de vômito e à tontura. Com isso, avançou lentamente pelos corredores, apoiando-se nas paredes amareladas de sua casa. Desceu as escadas com cuidado, as mãos trépidas sobre o corrimão de madeira. Cada degrau era um novo desafio. A concentração fazia sua cabeça latejar. Seu rosto estava horrível, assim como seu hálito — uma mistura podre entre álcool e bafo de sono; mas ele nem ao menos se preocupava com isso. Suas olheiras pareciam cada vez mais profundas, e seus lábios já perdiam a cor, como os de um doente.
Ele encostou na maçaneta e a girou. Nem ao menos perguntou quem havia acionado a campainha. No fundo, esperava que fosse Ellen com as crianças, dizendo que estava tudo bem e que decidiram voltar para casa. Voltar para ele. Mas, apesar da mente sonolenta, sabia que isso não passava de um sonho louco. A verdade é que não se importava com quem batia à sua porta. Se não fosse sua família, ou a própria Morte para buscá-lo, não faria diferença.
Mas, ao puxar a maçaneta, foi tomado por um profundo frio, a sensação de ter seu calor roubado. Algo instantâneo, sobrenaturalmente instantâneo. E tremeu, um arrepio percorrendo sua espinha. De início, tudo que viu foi o sobretudo negro que ela trajava, quase que irradiando medo. Aos poucos, ergueu os olhos, até a imensa espada que empunhava, e subindo até o tenebroso capuz sobre a cabeça.
O ser sombrio era alto e imponente, diferente de tudo que Buddy já havia visto ao longo da vida. Bastaram instantes de contato visual para que seu coração parasse, e suas pernas perdessem toda a força. Não ousava nem ao menos piscar, sequer respirar. Num átimo, foi de um homem embriagado e sonolento ao mais assustado e desperto dos cadáveres, muito embora ainda vivesse.
OLÁ, BERNHARD BAKER. EU SOU A MORTE!
Buddy sentiu suas forças deixarem o próprio corpo, e tremeu. O medo que sentiu era inigualável. Só temera algo com tanta intensidade outrora durante os próprios pesadelos. Ainda assim, por algum motivo, tinha consciência de que tais eventos eram reais, de que já não mais sonhava.
Por isso, tudo parecia ainda mais terrível.
— Precisamos conversar. — Disse a criatura, por fim, atravessando seu corpo e adentrando na casa.
Pela primeira vez em dias, Buddy se sentiu aliviado por ainda estar vivo.

Continua…


Roteiro escrito por Victor Dourado e Lucas Calil.
Inspirado nos personagens da DC Comics/Vertigo.
Homem-Animal foi criado por Dave Wood e Carmine Infantino.

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Sobre o Autor

Ethan Edwards, o amargo e desesperado veterano da Guerra Civil. Em uma busca interminável para salvar a sobrinha das mãos de Scar. Criação espetacular de John Ford e John Wayne. No avatar ao lado, o mais belo frame da história do cinema.