Observação: A história possui trilha sonora, escutá-la ou não durante a leitura fica a cargo de cada um.


STEPPENWOLF
— O Lobo e o Cordeiro —


“Porque a vida da carne está no sangue, pelo que tem-se dado sobre o altar, para fazer expiação pelas vossas almas. Portanto, é o sangue que fará expiação pela alma.” — Levítico 17:11.

Apokolips.

Seus olhos encharcados buscavam parcos vestígios ambientais para contemplar. O borrão que acometia ambas esclerais do jovem rapaz mostrava-se firme, as lágrimas presas em meio aos seus cantos diminutos, transformando-se plenamente em uma grossa e inquebrável camada d’água, responsável por denotar todo o aspecto pavoroso pelo qual teu corpo, naquela maldita ocasião, passava; e toda a sua patética exposição. O olfato aguçado de tuas narinas, agora estrangeiros de tua touca facial deteriorada, já não mais exercia sua exorbitante e determinada função; embora fosse competente suficiente para presenciar vários dos pestilentos e enojados bálsamos à sua frente. Sentia, sugando a aragem em alguns crédulos instantes, um bafo fortemente pútrido intermédio aos lábios e dentes da criatura que o agarrava contra o tabique rochoso. Era facilmente equivalente a um amontoado de cadáveres decompostos e milenares, que recusaram-se a ser esquecidos em meio à Fonte. A sensação era de que cada alma fora devorada, saciadamente, e a sua estava prestes de ser a próxima.
ㅤㅤOh, Pai Celestial… onde ele foi parar?
ㅤㅤSeu provecto uniforme, que compartilhava coloridos pigmentos cômicos, situava-se demasiadamente deteriorado, após uma vasta e grandiloquente batalha sanguinolenta, ocorrida nos segundos anteriores, e agora finalmente findada. Em decorrência de tais fatos, presentemente agonizava nesse maléfico encontro carnal, com o indivíduo que prontamente assemelhava-se à pertinente Besta. Exposto nos teus mais atrozes pesadelos, a angústia física capaz de amedrontá-lo unicamente com tua presença.
ㅤㅤO verde e amarelo de teu indumento banhavam-se rubros pelo seu próprio sangue divino que acometia-os, em meio às horrendas feridas abertas, no tempo que os tecidos vermelhos originais escureciam-se gradativamente, de maneira igualmente pavorosa. Tua já esguia constituição física não mais possuía as prestigiadas forças e habilidades de outrora, quando, por meio de muitos desafios considerados impossíveis, fora chamado de Milagre. Atualmente, não passava de uma criatura afugentada, prestes a ser engolida e saboreada, enquanto tua alcunha milagrosa perdia-se em meio às lágrimas ácidas que ainda forçavam a sair pelos teus olhos inchados.
ㅤㅤScott… onde está você, meu amor?
ㅤㅤO crânio horripilantemente bestial encobria toda sua visão das redondezas, marcando presença como a elementar e mais sobressalente imagem que já fora capaz de vislumbrar. Encontrava-se zonzo o suficiente para nem mesmo reconhecer onde residia, em decorrência das pancadas sofridas, dos choques efetuados em teu casco, das tentativas frustradas de fuga e, principalmente, do abatimento que lhe fora concedido.
ㅤㅤResidia, nesse instante, no lugar em que crescera. Onde desafiou seu fajuto pai, seus carcereiros ominosos e, claro, a ele mesmo. Local no qual havia adquirido todas as suas habilidades invejadas, após incansáveis e praticamente mortais tentativas.
ㅤㅤNaqueles cruéis e derradeiros momentos de tua pessoa, intimamente gostaria apenas poder relembrar todos os acontecimentos de sua quase finada vida, como a própria cultura humana já estabelecera em certa época de tua existência moderna. Mas não via-se capaz de tal feito. A zonzes a atingi-lo era tão cruel e marcante quanto aquele que o empossava. No fundo, agradeceria por não se lembrar, caso fosse lúcido suficiente para conseguir. Tua derrota, mais do que física, era mental. Seria, até mesmo para ele, humilhante demais granjear uma continuidade de tua vasta fama no entorno dos solos sagrados do Quarto Mundo.
ㅤㅤ— Scott Free…
ㅤㅤSaiu em meio ao hálito flamejante da criatura que apoderava-lhe; uma minguada fumaça a acompanhar as vis e dissolutas ondas sonoras. Em teu interior, conseguia ser mais quente que o próprio ambiente desolador no qual se encontravam, facilmente especificado pelos mortais como o próprio Inferno.
ㅤㅤAquele desgraçado está sendo uma ameaça até para o próprio Darkseid, Barda. Steppenwolf é incontrolável.
ㅤㅤOs chifres à sua frente destacavam-se em exorbitância, teu aspecto incrivelmente desolador carregava uma corpulenta presença de soberania — afinal, assim como o derrotado, era um Deus; nascido, criado e digno de tal linhagem.
ㅤㅤ— Escapou das armadilhas de Apokolips quando era mais jovem… — voltou a interpelar, deixando um magnificente sorriso pairar sobre tua face ordinária, os dentes amarelados sendo umedecidos por tua longa língua pontuda. — Escapou dos desafios circenses na Terra…
ㅤㅤTeus olhos a observá-lo eram completamente vazios em esperança, carregando em corpulência toda sua oscilação inacabável de terror. E isso, enquanto fora apto a constatá-lo, o fez sentir calafrios infindáveis, que percorriam toda sua espinha, indo de encontro aos teus solados. Sua face opaca, hiperbolicamente empalidecida, da mesma maneira carregava uma visão excessivamente lamentável e cruel; as rugas profundas, denotando milênios de existência, eram tão intimidadoras quanto teus dentes afiados, que assemelhavam-se facilmente aos de um grande predador — intrinsecamente, era disto que realmente se tratava.
ㅤㅤO que ele quer de você, querido?
ㅤㅤTua robusta e corpulenta maúça agarrava o pescoço do mancebo com definitiva vontade, expondo todo o ódio que corria por tuas veias corpulentas. Erguia-o um metro acima do solo quente, com aptidão, já que a criatura denotava quase três vezes o teu tamanho. Os pés de teu despojo balançavam para frente e para trás, perdidos, ansiando veementemente retornar ao solo, para que pudessem repetidamente sustentar toda tua talhe.
ㅤㅤA criatura era inconsolável, incrivelmente determinada em tuas ambições morais; agora, tão cruéis que confundiam-se em excesso com as de teu astuto mestre, hoje renegado à cólera. E não descansaria até, enfim, conseguir teu lugar de direito no entorno dos seres de tua raça. Sentia-se tão subjugado por seu superior que jurou, a si mesmo, um dia conseguir vingar-se da maneira mais adequada e tenebrosa possível, a começar por uma de tuas crias.
ㅤㅤ— Desafiou-se a escapar até mesmo da fajuta desencarnação mortal, certa vez, e ganhou fama por isto…
ㅤㅤApertou ainda mais tua garganta, sem a mínima misericórdia; mantê-lo vivo era tão inútil quanto discursar perante tua carne já quase defunta — mas faria ambas coisas, por puro entretenimento e prazer. Nobre como um rei, realizaria o que bem entendesse, a coroa pontiaguda sobre teu crânio empunhava respeito máximo, não deixando-o ser confundido com nenhum outro monstro do cosmo. Era tão saciavelmente aprazível encontrar-se em tal situação que, por átimos, um singelo sentimento pairou sob teus músculos, andando por tuas veias e, enfim, neurônios, assemelhando-se com facilidade a um mortal orgasmo.
ㅤㅤOh, Scott… onde quer que você esteja… escape. Por uma vez mais, escape.
ㅤㅤA respiração bufante, tremendamente absoluta, tornava-se cada milésimo mais perturbadora aos ouvidos do rapaz. A ânsia interior, desoladora, crescia, os pensamentos adquirindo todo um formato palpável de vilania perante àquele ser preso eu tua maúça. Devaneios que não tardariam a se tornar realidade, perversos tormentos a serem contemplados. Era teu desejo. Tua febre gananciosa. E ninguém ousaria interpôr perante as vontades de um legítimo Deus.
ㅤㅤ— Mas não escapou dos meus punhos, dos golpes do meu machado divino — suspirou superno, de forma delonga. — E não vai escapar de meu arbítrio!
ㅤㅤNenhum ser ousaria empenhar-se a detê-lo, fazê-lo parar de uma forma ou de outra, acarretando no fracasso de toda destruição e autossuficiência desejada. Na mais cruel das verdades, ninguém ao menos seria capaz de tentar fazer coisa alguma. Os mundos dominados, reféns imensuráveis, uma onda de pavor que se alastraria não só pelo Universo, bem como pelas múltiplas realidades.
ㅤㅤ— Agora me diga, velho Novo Deus… o que Steppenwolf é para você?
ㅤㅤAs palmas ainda firmes sobre sua garganta albugínea, pressionando sem pestanejo. Sua minguada respiração tornando-se cada vez mais dificultada, os pulmões funcionado gritantes, desesperados, quase sem forças para continuarem a lutar. E, para cada milésimo jogado fora, Scott Free sentia-se mais fraco, impotente e, consequentemente, desesperançoso em livrar-se de tal embaraço. As unhas nojentas da criatura tocando tua carne, talantes, enlouquecidas para perfurá-la o mais rápido que conseguisse. Teu coração acelerado, praticamente saltando pelos lábios. E vestígios de seiva acarminada já banhando tua língua rosada, bem como toda tua cavidade bucal.
ㅤㅤLimitado, unicamente conseguia relembrar-se de sua garota, uma memória tão bela e esbelta quanto o relacionamento duradouro e inquebrável que detinham. Refletia sobre os olhos da formosa Grande Barda, teu corpo esbelto, tuas sacanagens, teu amor incondicional que lhe fora transmitido ao longo dos anos. E choramingava interiormente, impotente de realizar qualquer feito, até mesmo despedir-se. Impossibilitado de retornar aos teus cuidados, ao calor de teu colo aconchegante, aos carinhos que ela fazia em teus fios enegrecidos de cabelo. Reprimido como um verdadeiro animal.
ㅤㅤO Lobo via-se capaz de saciar-se em demasia unicamente pela gritante expressão de medo do gaiato. Era uma alacridade inexplicável. Tua embocadura incrivelmente umedecida, banhando-se constantemente com saliva, louca por saciedade. Louca para mergulhar a carne fresca em tua fenda, que prontamente lhe oferecia. Insanamente perdida por devorar o Cordeiro dos deuses que reprimia, rendido unicamente às suas vontades.
ㅤㅤLiberte-se. Liberte-se e volte para mim, meu amor. Eu preciso de ti mais do que nunca.
ㅤㅤEncontrava-se sem escapatória.
ㅤㅤEnquanto espremia a garganta de tua presa, teu vasto e imponente exército organizava um majestoso ataque perante os seres da própria raça. Inúmeros Parademônios, mentalmente controlados ou convencidos, dispostos a satisfazer o narciso de teu mais novo mestre, o grandioso e poderosamente estabelecido Novo Deus. Em essência, na mais solene e fiel das descrições. Esvoaçavam pelo Inferno de Apokolips, suas asas enormes batendo contra o vento flamejante, espalhando o fervor da superfície e elevando-o ao seu mais alto nível. Viam-se sugando as energias dos mais desatentos, apunhalando os escravos e servos desapropriados de arbítrio e inteligência, caçando incansavelmente como uma gigantesca alcateia as mais deliciosas vítimas que encontravam pelo percurso. Os gritos ensurdecedores contemplados pelos teus ouvidos eram como combustíveis para a onda de pânico que transmitiam. Teus olhos esbugalhados, vermelhos e cintilantes, eram capazes de amedrontar até as identidades mais destemidas; assim como suas bocas enormes e os dentes pontiagudos, exuberantemente afiados. Assombrando as assombrações.
ㅤㅤPossuíam a árdua missão de expandir o exército, aumentando a escolta, nivelando a qualidade bélica e braçal, dominando majoritariamente o terreno. Tudo no intuito de, enfim, prestigiar teu nupérrimo líder no cobiçado comando. Fazendo suas apropriadas delegações, os poderosos e mandachuvas agora viam-se caçados, enclausurados ou cercados em cantos diminutos, sem a mínima chance de evasão. Suas mortes sendo facilmente pretendidas para o início da Nova Era: a gestão dos mais afortunados, dos inquebráveis, dos fidedignos seguidores de Steppenwolf.
ㅤㅤDesaad e Kalibak presentemente viam-se considerados escória, seguidores de um reino que possuía teus instantes finais sob contagem regressiva. Suas mortes e desmembramentos em praça pública cobiçados como majestosos e incontroláveis desejos. A cabeça de Darkseid como o mais ambicioso de todos os prêmios.
ㅤㅤO caos espalhado pela vastidão da sociedade infernal, entretanto, nada se compararia à onda de terror que assolaria todas as mazelas do Multiverso. O próprio Anti-Monitor se ajoelharia aos pés do suntuoso Steppenwolf, em meio à mostra de tanto poder. O reino patife de Nova Gênese seria tido como a primeira parada após a dominação definitiva de Apokolips. A Terra, em sequência, sucumbiria de uma vez por todas, finalmente consentindo aos Novos Deuses o domínio da Equação Anti-Vida. Os heróis, enfraquecidos, que se dispusessem à oposição divina, encontrariam-se pessoalmente com a desencarnação mortal.
ㅤㅤ— Tente. Mostre-me toda a sua submissão. Sua inferioridade.
ㅤㅤSeus esbugalhados olhos vislumbravam tua portentosa essência, como um perfeito espelho de seu espectro desolado. Scott esforçou-se para bradar, utilizando cada uma das diminutas forças que restavam em tua composição corporal. Porém não obteve sucesso. Aos poucos, teu corpo desfalecia, sem ar para adentrar em seus pulmões. E, por fim, sucumbiu. Entregou-se de corpo e alma para a anormalidade que o possuía.
ㅤㅤ— Patético, meu rapaz — balançou a cabeça em negação, o movimento dos chifres em tua coroa cortando o ar. — Ainda esperando teu grande número neste momento.
ㅤㅤSorriu magnanimamente, mostrando todos os seus pútridos dentes predatórios amarelados. Piscou, em seguida, de uma maneira extremamente lenta e admirável, erguendo teu quadriculado queixo em uma pose soberba.
ㅤㅤ— Aguardando teu Milagre.
ㅤㅤMinguados vestígios de saliva acumulada saíram em meio à sua interlocução. E ele soluçou, profundamente. Suas mãos cada vez mais firmes a apalpar a matéria de teu desfrute.
ㅤㅤO indivíduo responsável pela criação de Scott, no que decorreu o célebre Pacto, fora Darkseid. Um ser facilmente descrito como teu mal absoluto, a gritante figura capaz de lhe transmitir medo volumoso e indescritível. Sua grande doença, seu desânimo, seu sentimento de submissão, sua preocupação exacerbada. Sua inevitável… depressão. Aquela que o acometia dia após dia, infindável, extraordinariamente perturbadora.
ㅤㅤ— Steppenwolf é…
ㅤㅤErgueu o braço livre, incrivelmente robusto. Suas veias estufadas em meio aos músculos corpulentos, a pulsação sanguínea, em certo aspecto, ainda mais latejante. Envolvido pela maúça liberta, estava seu tão famigerado machado, de cabo longo, repleto de hieroglifos provectos que se remetiam aos Velhos Deuses. A ponta de sua lâmina afiada, praticamente tinindo, sedenta por seiva, como o próprio mestre que a empunhava.
ㅤㅤSem delongas, a força incontrolável de suas vontades levou-o em direção à cabeça do efebo, desprovido de toda e qualquer indulgência.
ㅤㅤSteppenwolf, diferente do pai de criação do garoto, nascera para ser outra coisa. Algo muito mais cruel e devastador. Era, no presente momento, facilmente catalogado como seu desespero, seus pedidos de socorro, suas ácidas lágrimas de impotência que escorriam pelos olhos, rumo ao chão. Sua grande e inconvertível derrota.
ㅤㅤSua tão temida e desafiada…
ㅤㅤ— Morte.
ㅤㅤSerrou o que restara de sua máscara, atingindo e rasgando tua pele nevada, despedaçando tua firme anatomia, chegando aos músculos cerebrais, igualmente corrompidos, somente cessando teu golpe ao chegar na tampa de teu cocuruto, de encontro ao tapume empedrado. O crânio partiu-se como uma fruta. Seus ossos foram quebrados com uma facilidade ímpar, assemelhando-se a pequenos e frágeis gravetos. E o sangue divino escapou, jorrado em corpulência pelos cantos partidos.
ㅤㅤAgora, não era mais o Senhor Milagre, gênio das fugas e poderosa divindade; era um cadáver amargurado, um defunto desmantelado, de face desfigurada. A mais nova iguaria do Demônio.
ㅤㅤScott…
ㅤㅤSteppenwolf deixou teu machado atingir o solo fervente, totalmente focado no petisco abaixo de tuas narinas. Sentia a fragrância exalada pelo aperitivo em overdose, como um tubarão farejando em alto-mar. Ainda apalpando teu pescoço com uma das mãos, levou a outra pata ao encontro do queixo deteriorado do rapaz e, com uma singela força, alçou ambas maúças na direção contrária, desmembrando a cabeça do mancebo do resto do corpo. A segurou com um dos membros punhais, enquanto o outro ainda apalpava o que remanescia do tronco.
ㅤㅤSua respiração denotava um tom nunca antes contemplado, uma ânsia interna tão forte que seria incapaz de descrever. Uma… fome… tão árdua como a energia de teu mesocarpo, ou a formidável barbárie de teus pensamentos.
ㅤㅤAbriu tua exuberante boca de forma surreal, a saliva orgásmica ainda mais presente, como uma cachoeira em meio às saliências pontudas. Morosamente, tomado por uma paciência sem igual — não havia pressa em cultuar o poder que em breve lhe pertenceria —, arrastou o crânio despedaçado de Free na direção dos lábios. Vil e, mais do que nunca, agraciado em vigor.
ㅤㅤEis que, tomando proporções e significados de uma Santa Ceia, o Milagre humano lhe dera teu…
ㅤㅤVolte para mim, meu amor.
ㅤㅤCorpo, simbolizando o egrégio Pão da Vida. Uma carne tão saciável e apetitosa quanto ele imaginara. Polpa macia, saborosa, uma contemplação culinária rara. Partilhando, em meio às cartilagens rígidas e sem sabor, um gosto divino. As papilas gustativas de tua língua saboreavam uma das mais suculentas iguarias que já lhe foram fornecidas, em todos os seus milênios de existência e alimentação; nenhuma outra presa havia sido tão cobiçada e experimentalmente aprovada.
ㅤㅤAssim como dera teu…
ㅤㅤVolte…
ㅤㅤSangue, estampando o clamor do poderio que corria em meio às suas veias. Tomou, em combinação à carne, desfazendo os gostos provenientes dos músculos e banhando-os com novos. Sabores diversos, como os majestosos vinhos dos renomados deuses. Um líquido tão indescritível quanto a água, embora carregasse um verdadeiro e inigualável sabor. Uma amálgama entre os doces sonhos que carregava e a amarga morte que lhe fora fornecida.
ㅤㅤSe não bebesse teu cobiçado líquido acerejado, não teria acesso ao âmago de si mesmo. Caso não se deliciasse com a bebida divina, impossivelmente reteria a vida eterna. Pois o sangue era o verdadeiro licor da jurisdição, e, quem o detivesse sob a tez, permaneceria imperecível.
ㅤㅤVolte para mim.
ㅤㅤE ele devorou-o, pedaço por pedaço, como uma indomável e enlouquecida fera. Teus dentes desmantelando os músculos do morto com tremenda propensão. Levando as porções sagradas ao estômago faminto, sem nem ao menos livrar-se de suas peculiares vestes coloridas. Arrancou de teu arcaboiço não só a pele, os músculos e a seiva rubra… extirpou sua conjecturada fama. Infantilmente necessitado retirar absolutamente tudo que pertencia ao finado jovem. E assim o fez, exuberante, finalmente saciando as mazelas de sua barriga gananciosa. O corpo de Scott Free reduzido a puro osso.
ㅤㅤA criatura bestial conseguira realizar, enfim, tua mais perversa cobiça. Agraciando-se, como bem pensava, com poder. Absoluto, incomparável e infinito poder.
ㅤㅤEra puro Ômega.
ㅤㅤ— Não mais por Apokolips.
ㅤㅤJogou o esqueleto do mirrado cachopo na direção de teus perfis, desabastecido de remorso pelo cadáver desimportante. O encontro do que sobrara de teu tronco com a superfície rochosa produziu, além de uma patética imagem de insignificância, um minguado e quase incompreendível ruído.
ㅤㅤ— Não mais por Darkseid.
ㅤㅤPassou uma das mãos sobre os lábios escurecidos, satisfeito, asseando as parcelas de sujeira com suas grossas e longas falanges. Agachou-se abreviado, o ramo musculoso indo de encontro ao machado largado, até apanhá-lo. Ergueu-se no átimo seguinte, apalpando o objeto afiado com demasia vontade.
ㅤㅤE olhou para frente, norteado em sustância, esplendidamente já imbatível.
ㅤㅤ— O momento é meu. O poder é meu. A majestade é minha.
ㅤㅤFincou o longo cabo de tua arma afiada no solo rochoso, resmungando um poderoso e assustador eco em meio às montanhas do norte, o ar que fervia ofuscante, e mazelas ambientes que reluziam as lavas dos vulcões ostentosos. Potencialmente abastecido com o mais puro sustento divino. Um canibal ganancioso, rebelde e, por fim, indômito.
ㅤㅤCorpo de Lobo. Sangue de Cordeiro.
ㅤㅤ— Por Steppenwolf.


Inspirado pelos personagens da DC Comics.
Os Novos Deuses, assim como toda a mitologia do Quarto Mundo, foram criados por Jack Kirby.


Referências:

Novos Deuses vol. 1, por Jack Kirby.
Surfista Prateado: Parábola, por Stan Lee e Moebius.
Senhor Milagre, por Tom King e Mitch Gerads.

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Sobre o Autor

Apaixonado por quadrinhos, cinema e literatura. Estudante de Matemática e autor nas horas vagas. Posso também ser considerado como um antigo explorador espacial, portador do Jipe intergaláctico que fez o Percurso de Kessel em menos de 11 parsecs — chupa, Han Solo!