A primeira equipe de super-heróis dos quadrinhos norte-americanos foi publicada pela DC Comics em 1940, durante a Era de Ouro da nona arte: a Sociedade da Justiça da América, ou apenas Sociedade da Justiça. Criado por Gardner Fox, o grupo contava com a participação das versões originais de Flash (o nosso “Joel Ciclone”) e Lanterna Verde (Alan Scott) e de outros personagens menores da editora, como Sandman e Homem-Hora. Nas duas décadas seguintes, em especial a partir do final da Segunda Guerra Mundial, as histórias de super-heróis foram perdendo popularidade e espaço entre o público, e quase conheceram seu fim. Somente nos últimos cinco anos da década de 1950 é que vários personagens da editora começaram a sofrer reformulações em suas origens e histórias, e o ano de 1960 seria o primeiro passo de uma década que cravaria para sempre os super-heróis das histórias em quadrinhos no imaginário do público.

A DC Comics pediu a Fox que reintroduzisse o grupo nos quadrinhos, e o escritor, inspirado pela popularidade das ligas de baseball e futebol americano, alterou o nome da equipe para Liga da Justiça da América. Tendo estreado em The Brave and the Bold #28, de 1960, e recebido uma revista solo pouco depois, rapidamente o grupo transformou-se em um dos títulos mais populares da editora. Flash (Barry Allen), Lanterna Verde (Hal Jordan), Mulher-Maravilha, Aquaman e Caçador de Marte fundaram a superequipe – e por decisão editorial, Superman e Batman também participaram, compondo os sete membros fundadores originais. Adaptações de sucesso para outras mídias vieram no decorrer dos anos, mas a história da equipe nos cinemas nunca saiu do lugar, com projetos recentes cancelados no meio do caminho, até que hoje, 47 anos depois, finalmente chega aos cinemas o primeiro filme da Liga da Justiça, dirigido por Zack Snyder.

O enredo é simples. O mundo está sem esperança desde a morte do Superman (Henry Cavill). Um vívido contraponto a esses tons cinzentos é feito na abertura do filme, com um terno vídeo do passado, que mostra crianças entrevistando o super-herói. A criminalidade parece aumentar a olhos vistos, bem como o desengano das pessoas diante de tudo que está acontecendo – uma sequência em câmera lenta ilustra esse ponto. Enquanto isso, os parademônios começam a surgir por toda a terra, inclusive em Gotham City, fazendo desaparecer inúmeras pessoas. As investigações de Bruce Wayne/Batman (Ben Affleck) levam o vigilante a se debruçar sobre as anotações de Lex Luthor (Jesse Eisenberg) acerca de uma poderosa ameaça alienígena, o Lobo da Estepe (Ciarán Hinds), que estaria atrás das caixas maternas que se encontram em nosso planeta. A necessidade de uma aliança de super-heróis se faz urgente. Com base nos arquivos de Luthor, vistos em Batman Vs Superman (2016), Bruce Wayne e Diana Prince/Mulher-Maravilha (Gal Gadot) partem em busca de três pessoas superpoderosas para um time que está sendo formado: Barry Allen/Flash (Ezra Miller), Arthur Curry/Aquaman (Jason Momoa) e Victor Stone/Ciborgue (Ray Fisher). E no meio do caminho, diante da ameaça representada pelo inimigo, a ressurreição do símbolo da esperança se fará necessária.

A interação entre os personagens é a melhor coisa de Liga da Justiça e o roteiro de Chris Terrio e Joss Whedon trabalha com talento toda essa dinâmica, que é absolutamente fundamental para o bom funcionamento de um filme de equipe. Já nos primeiros contatos – Batman com Flash e Aquaman, Mulher-Maravilha com Ciborgue – é evidente a química entre os atores, especialmente Ben Affleck com Gal Gadot e Ezra Miller… com todo mundo! As discordâncias iniciais são esperadas, com o “não” de Aquaman e Ciborgue e o “sim” do Flash – antes mesmo de ouvir a pergunta de Bruce Wayne, afinal, ele precisa de amigos… que não sejam muito lentos… –, mas a ameaça do Lobo da Estepe é poderosa demais para que qualquer um permaneça indiferente, e logo a Liga da Justiça está formada.

Ezra Miller rouba todas as cenas com o seu Flash incrivelmente hiperativo (como possivelmente seria um velocista que vê o mundo passar em câmera lenta ao seu redor) e feliz. Mas muito feliz. Muito mesmo. Barry Allen (que em nenhum momento é nomeado como Flash), ainda é um herói muito inexperiente, que só está acostumado a empurrar os outros e correr – e isso serve para justificar a sua utilização nos combates como o cara que simplesmente salva os civis, além de também render duas cenas hilárias com o Superman. Totalmente deslumbrado por estar ao lado do Batman e da Mulher-Maravilha, e dos outros dois novos companheiros, o humor de Barry Allen, e uma certa ingenuidade que exala nos olhares e expressões que faz, é o elo que conecta toda a equipe, servindo para retirar toneladas de sisudez do Batman, que se permite a certas ironias, e também deixar Diana Prince ainda mais solta, em um papel proeminente de liderança que não é sequer questionado pelos novos parceiros, em mais uma atuação segura da carismática Gal Gadot, que permanece idealista, corajosa e intensa como a Mulher-Maravilha.

O Aquaman não tem tanto espaço quanto se esperava, se resumindo a um personagem meio inconsequente e canastrão, uma espécie de rock star (que protagoniza a cena mais engraçada do filme, envolvendo o laço da verdade), com algumas boas participações em combate e o Ciborgue, apesar de sua importância para a história e do drama pessoal explorado no primeiro ato, permanece um pouco à parte dos demais super-heróis nas interações, ainda aprendendo sobre os seus poderes e aparentando agir mais por interesse pessoal do que propriamente por adesão ao grupo em si. E quando o Superman finalmente surge no clímax, depois de uma ressurreição que dá uma piscadela para aquele sonho apocalíptico de Bruce Wayne, temos tudo que se esperava do personagem nesse universo: esperançoso, poderoso e extremamente preocupado com a segurança das pessoas comuns.

A direção de Zack Snyder segue o seu já conhecido estilo visual, com uma busca constante por enquadramentos bonitos, normalmente panorâmicos, nos quais ele possa usar a câmera lenta, partindo sempre da (ou para) aceleração de uma cena. As sequências de ação são boas, embora repetitivas e sem uma grande cena a se destacar: o inimigo gigante e seus insetos gigantes voando para lá e para cá são combatidos com táticas compartilhadas de luta, nas quais basicamente um super-herói vai de cada vez atacá-lo – a exceção é o Flash, com a sua velocidade incrível e divertidas participações. A fotografia de Fabian Wagner segue as características dos filmes de Snyder, com muito sépia e tons azulados-cinzentos, mas com menos escuridão e mais claridade – mesmo o ato final, ainda acontecendo em um local repleto de explosões e destruição, avermelhado desta vez, se desenha visualmente compreensível em todos os seus espaços. A trilha sonora de Danny Elfman, que recicla temas clássicos dos personagens, pontua bem o clima aventureiro de Liga da Justiça, mas sem conseguir tornar-se marcante.

Há muita coisa acontecendo, e a edição sofre um pouco por causa disso, entregando um primeiro ato um tanto quanto desordenado e acelerado – alguns minutos a mais nessa ambientação talvez solucionassem o problema. Três novos heróis são apresentados com suas origens, coadjuvantes fazem participações, novas localidades (Atlantis e Central City) são pinceladas, um vilão (que não tem muito espaço para se destacar) é lançado na história querendo destruir a Terra e fazendo um elo com uma tentativa de invasão do passado que foi contida por uma aliança entre três povos (em um excelente flashback), o Superman precisa ressuscitar de alguma forma, e uma equipe é formada. No fim, decisões executivas por uma metragem menor à parte, o modo como a interação entre esses sete heróis é construída consegue suplantar os problemas de montagem, e Liga da Justiça apresenta-se como um filme divertido, com personagens carismáticos e cativantes (especialmente o Flash e a Mulher-Maravilha), com um tom esperançoso, e que abre novos, e bons, caminhos para o futuro do universo estendido da DC nos cinemas.

Liga da Justiça (Justice League) – EUA, 2017, cor, 120 minutos.
Direção: Zack Snyder. Roteiro: Chris Terrio e Joss Whedon. Música: Danny Elfman. Cinematografia: Fabian Wagner. Edição: David Brenner e Richard Pearson. Elenco: Ben Affleck, Henry Cavill, Gal Gadot, Ezra Miller, Jason Momoa, Ray Fisher, Jeremy Irons, Diane Lane, Connie Nielsen, Amy Adams, J.K. Simmons e Ciarán Hinds.

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Sobre o Autor

Católico. Desenvolvedor de eBooks. Um apaixonado por cinema – em especial por western – e literatura. Fã do Surfista Prateado e aficionado pelas obras de Akira Kurosawa, G. K. Chesterton, John Ford, John Wayne e Joseph Ratzinger.