Matricídio é, provavelmente, o crime mais insuportável de todos… Mais insuportável para o filho que o comete. Então ele teve que apagar o crime, pelo menos em sua própria mente.
Antes de tudo, devo avisar que esta crítica contém alguns spoilers do longa em questão, mas se você ainda não assistiu, faça o seguinte: pare tudo o que você está fazendo, pegue uma pipoca e assista.
Mesmo que você não seja fã de filmes de terror ou suspense, é impossível nunca ter visto ou ouvido falar da “cena do chuveiro”. Ela simplesmente virou uma das mais conhecidas do cinema (e também uma das mais parodiadas), mas os destaques de Psicose não param por aí.
Psicose é uma adaptação do livro de Robert Bloch, inspirado nos crimes cometidos por Ed Gein (que mais tarde também seriam responsáveis por inspirar O Massacre da Serra Elétrica e O Silêncio dos Inocentes). Na época, o cineasta Alfred Hitchcock era obrigado à fazer mais um filme para a Paramount, e sua secretária lhe apresentou a obra de Bloch. Ele adorou, mas o estúdio achou seu conteúdo pesado demais, chegando até a considerá-lo como “infilmável”. Negaram ao diretor o orçamento usual, então Hitchcock financiou o longa pela Shamley Productions (sua produtora), filmando nos estúdios da Universal. O orçamento foi mantido abaixo de um milhão de dólares, uma das razões para ter sido filmado em preto e branco (também pois o diretor considerava que com cores, o filme ficaria “ensanguentado” demais). Os direitos do livro original foram comprados anonimamente, e depois todas as cópias disponíveis no mercado para que ninguém o lesse e não descobrisse seu final. A Paramount só precisaria distribuir o filme e, felizmente, assim foi feito.
O Norman Bates de Bloch era gordo, baixo, velho e não escondia estranheza. Isso poderia acabar entregando o final da trama, e então Hitchcock e o roteirista Joseph Stefano fizeram mudanças drásticas (e excelentes) em sua aparência. O desfecho parecia óbvio no começo, mas do meio para o final, o diretor deu um belíssimo “tapa na cara” no espectador. Na cena original do chuveiro, a não tão inocente Marion Crane morre tragicamente decapitada. Algo desse nível não seria permitido nos anos 50 e 60, ainda mais com a presença do Código de Produção. No lugar, a personagem também possui um destino trágico, mas muito mais marcante. Hitchcock impôs muitas regras relacionadas ao seu novo trabalho, e isso irritou alguns críticos. Eles não puderam assistir Psicose antes de sua estreia e detalhes importantes sequer poderiam ser mencionados (isso também serviu para todos os envolvidos na produção, incluindo os atores). Tanto que um deles, após assisti-lo, classificou-o como um dos piores do ano. O resultado, tão temido até mesmo pelo próprio diretor, foi extremamente satisfatório. Com custos de 800 mil dólares, o longa faturou 50 milhões de dólares nas bilheterias do mundo inteiro. E o crítico citado mudou o discurso quando lançou uma lista dos melhores filmes do ano, e o trabalho do Mestre do Suspense estava presente. Nada mal, não é?
Se você ama alguém, você não consegue deixá-la, mesmo que te trate mal. Você entende? Eu não odeio a minha mãe. Eu odeio o que ela se tornou. Eu odeio a sua doença.
Marion Crane (Janet Leigh) é uma secretária que rouba 40 mil dólares da imobiliária onde trabalha para começar uma nova vida. Sua viagem lhe acaba levando para o velho Motel Bates, administrado por um homem aparentemente gentil e atencioso chamado Norman Bates (Anthony Perkins). Em uma conversa, Norman lhe dá mais detalhes sobre sua mãe, a qual ele nutre um forte respeito e medo. Sem saber o grande risco que corre, a moça decide passar a noite no Motel. Ela começa a ter um grande arrependimento pelo crime grave que cometeu, e até pensa em voltar atrás. Entretanto, era tarde. Uma mulher, que aparenta ser a mãe de Norman, mata Marion impiedosamente (o sangue usado era chocolate. Boa ideia, visto que o filme foi filmado em preto e branco). Percebemos que Crane não era a protagonista, e sim uma vítima dos ciúmes de Norma Bates. Norman, não querendo que sua mãe seja presa, se livra dos rastros que podem incriminá-la. O sumiço de Marion preocupa sua irmã, Lila Crane (Vera Miles), e seu amante Sam Loomis (John Gavin). A partir daí, um novo filme é apresentado, e seu protagonista é o dono do Motel.
Pra quem não curte tanto o terror, saiba que a trama cai mais para o lado do suspense psicológico. A figura de Anthony Perkins ficou totalmente associada com Norman. Sua atuação é extremamente convincente e brilhante, deixando-nos longe de descobrir a terrível verdade. Janet Leigh não brinca em cena, e acabamos até nos apegando à personagem e sentindo seus medos. Vera Miles surge somente no meio do filme, mas sua importância é grande. Lila é forte e determinada, não descansando para encontrar sua irmã. John Gavin apareceu somente no início do longa, e decide ajudar Lila na busca por Marion. O detetive Arbogast (Martin Balsam) serve como instrumento para impulsionar a trama, fazendo indiretamente os novos protagonistas irem mais a fundo na investigação. Bernard Herrmann fez um trabalho estupendo em sua trilha sonora envolvente, assustadora cheia de tensão. A direção… dispensa comentários.A fuga de Marion é perfeitamente detalhada, com a câmera focada em seu rosto. O final chocante, onde Lila descobre a verdade sobre a senhora Bates, também é inesquecível.
O ano de 1960 foi presenteado com um dos melhores filmes da sétima arte. Psicose é um clássico atemporal que, para o bem ou para o mal, inspirou (junto de O Bebê de Rosemary) uma série de filmes focados no terror e suspense e consolidou vários clichês do gênero. Um projeto muito ousado, recebendo 4 indicações ao Oscars e ganhando um Globo de Ouro (melhor atriz coadjuvante). Arranje um tempo e assista, e se já assistiu, assista novamente.
É triste quando uma mãe tem que falar as palavras que condenam seu próprio filho.
Psicose (Psycho) – EUA, 1960, p&b, 109 minutos.
Direção: Alfred Hitchcock. Roteiro: Joseph Stefano (baseado em romance de Robert Bloch). Cinematografia: John L. Russell. Edição: George Tomasini. Música: Bernard Herrmann. Elenco: Anthony Perkins, Janet Leigh, Vera Miles, John Gavin, Martin Balsam, John McIntire, Simon Oakland, Frank Albertson, Patricia Hitchcock.