“Componho minha vida com os materiais rústicos da aldeia: o som aflito do trem local, as maçãs do inverno, a umidade que sinto na casca dos limões tocados pelo orvalho da madrugada, a paciente aranha na escuridão do meu quarto, a brisa que balança as cortinas.”

Quando Jacques terminou seus estudos em Santiago e voltou para Contulmo, seu pai foi embora para Paris.

Na mesma noite em que ele voltou para a sua terra, o seu pai partiu.

Enquanto Jacques descia do trem, Pierre subia no mesmo vagão, abandonando esposa e filho sem maiores explicações.

Na figura de Cristián, moleiro da região e velho amigo do seu pai, Jacques busca pistas que nunca levam a lugar nenhum.

O moleiro parece saber mais do seu pai do que ele mesmo. Mais do que sua própria mãe. Mas sempre silencia dizendo.

Sua mãe se extinguiu como uma vela apagada pelo vento. Jacques também quer morrer. Amava loucamente o seu pai.

Os capítulos extremamente curtos de Um Pai de Cinema acompanham o cotidiano da vida de Jacques sob o filtro de seus pensamentos.

Suas angústias e aventuras.

O seu trabalho como tradutor de poemas franceses, publicados pelo jornal El Mercurio em Santiago, e a sua vida como professor de castelhano e história na Escola Primária Gabriela Mistral.

O luto e a dor de sua mãe, arrasada pelo repentino abandono do marido; as tardes colhendo batatas, limões e laranjas e as bebedeiras e conversas com Cristián.

A insistência do seu aluno Augusto Gutiérrez em saber como é (e querer conhecer) o bordel de Angol, a cidade vizinha, e os vestidos decotados de suas duas irmãs, as jovens Teresa e Elena, tirando-lhe o ar.

A sessão dupla no cinema exibindo Onde Começa o Inferno (1959), clássico de Howard Hawks estrelado por John Wayne.

O trem.

A virgindade consome seus pensamentos e devaneios, os alunos causam enfado, a vida na aldeia é sufocante.

A solidão profunda penetra suas veias.

Os personagens coadjuvantes que transitam por sua história buscam um protagonismo que nunca conseguiram atingir. Jacques também.

Eu quero ser protagonista da minha própria vida!”, diz um personagem no clímax do romance, quando uma revelação surpreendente já havia chacoalhado a vida de Jacques e trazido à tona as verdades sobre a partida do seu pai.

“Não é que as palavras vagueiem incertas em torno de algo: o próprio mundo é incerto, as palavras são exatas.”

Escrito em 2010 por Antonio Skármeta, autor de O carteiro e o poeta (1985), sucesso mundial adaptado para o cinema em um filme vencedor de cinco Oscar, Um Pai de Cinema é uma pequena joia da literatura chilena.

Um romance com tamanho de conto e alma de poesia.

A prosa concisa e poética de Skármeta ergue, frase por frase, palavra por palavra, um ambiente mágico.

Seu texto repleto de referências cinematográficas e musicais transporta-nos a um outro tempo.

É possível sentir o cálido aroma daquele lugar. Tornar-se íntimo daqueles personagens.

Sonhar. Sentir. Sorrir. Em uma belíssima fábula sobre paternidade, honra, escolhas, destinos, desencantos e afetos.

Um pai de cinema (Un padre de película) – Chile, 2010.
Autor: Antonio Skármeta. Tradução: Luís Carlos Cabral. Publicação no Brasil: Editora Record. Formato: 20,2 x 14, 112 páginas. Catalogação: Romance chileno.

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Sobre o Autor

Católico. Desenvolvedor de eBooks. Um apaixonado por cinema – em especial por western – e literatura. Fã do Surfista Prateado e aficionado pelas obras de Akira Kurosawa, G. K. Chesterton, John Ford, John Wayne e Joseph Ratzinger.