A importância de Watchmen, uma das mais aclamadas graphic novels da história, é inegável. A obra escrita por Alan Moore e ilustrada por Dave Gibbons mudou todo o panorama da indústria dos quadrinhos na época em que foi lançada, sendo uma das responsáveis pela mudança de tom em muitas das histórias do ramo. Watchmen faz parte da vindoura Era de Bronze dos quadrinhos, considerada por muitos como a melhor época da história em relação às publicações de diversas obras do meio, como Batman: O Cavaleiro das TrevasDemolidor: A Queda de MurdockV de VingançaSurfista Prateado: Parábola, e muitas outras.

A série, dividida em 12 capítulos, foi contemplada com vários prêmios, como Prêmios Kirby e Eisner, incluindo o de melhor minissérie, além de uma honraria especial no tradicional Prêmio Hugo, voltado à literatura. Watchmen também é a única história em quadrinhos presente na lista dos 100 melhores romances eleitos pela revista Time, na ativa desde 1923.

Em um mundo onde os vigilantes e mascarados são ilegais (devido à Lei Keene), e não possuem super poderes, com exceção do Dr. Manhattan, Watchmen mostra uma realidade cruel, em uma Nova York ambientada em meados dos anos 80. Na história, o presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon, foi eleito para um longínquo governo, em uma realidade onde o escândalo de Watergate (ocorrido e investigado entre 1972 e 1974), responsável por sua renúncia no mundo real, nunca chegou a acontecer.

“À meia noite, os agentes e super-humanos saem pra prender todos aqueles que sabem mais que eles.”

Rorschach, um dos membros do ex-grupo de vigilantes que agiam na sociedade, é um homem frio, que diz ter visto a verdadeira face das pessoas. Ele é um anti-herói, combatente fiel a todos os tipos de crimes imagináveis, além de ser um ótimo investigador também. Ele não possui mais nenhuma fé nas pessoas que vivem nesse mundo.

“As ruas são sarjetas dilatadas e estão cheias de sangue. Quando os bueiros finalmente transbordarem, todos os ratos irão se afogar.” – Rorschach.

A história começa com Rorschach investigando o assassinato de um de seus antigos colegas de combate ao crime, Edward Blake, o Comediante, que foi brutalmente espancado, e jogado pela janela de seu apartamento. Rorschach acredita que exista algum tipo de “assassino de mascarados” e, por temer pela segurança de seus antigos colegas, vai até cada um para avisá-los.

Dan Dreiberg, o segundo Coruja; Adrian Veidt, o Ozymandias; Laurie Júpiter, a segunda Espectral; e o Dr. Manhattan, são avisados por Rorschach, onde o mesmo tenta contar a eles todas as suas suspeitas e teorias. Porém, seus antigos colegas não estão interessados no que ele tem a dizer, e muito menos relembrar os velhos tempos (como é o caso do segundo Coruja). Mas mesmo assim, Rorschach não deixa nada de lado, e continua investigando o caso. Cenas memoráveis acontecem em torno de muitos outros acontecimentos paralelos, como o enterro do Comediante, a exploração de algumas fases dos passados dos personagens, e o cenário político.

“Não enfrentes monstros sob pena de te tornares um deles. Se contemplas o abismo, a ti o abismo também contempla.”

Devido à sua investigação incansável, Rorschach é levado a uma segunda visita ao ex-vilão Moloc. Nosso anti-herói acaba preso, e é onde temos um dos capítulos mais sensacionais da obra (e, para mim, da história dos quadrinhos). Todo o arco da prisão, onde Walter Kovacks (alter ego de nosso anti-herói) é explorado com mais profundidade, é sensacional. Podemos ter um panorama de seus ideais, traumas e de sua psiquê.

“Ninguém entendeu. Eu não estou preso aqui com vocês. Vocês é que estão presos aqui comigo.” – Rorschach.

O Coruja e a Espectral são os responsáveis por tirar o Rorschach da prisão, e ele continua sua jornada para descobrir o responsável pelo assassinato do Comediante. A forma com que o Alan Moore escreve seus personagens, explorando todas as camadas possíveis de suas personalidades, começa a se mostrar cada vez mais sensacional. Relações interpessoais não se tornam clichês e óbvias, e notamos uma construção perfeita de cenas que exigem tal procedimento. Até mesmo a única “divindade” presente na história, o Dr. Manhattan, é explorado com maestria. Nós não somos levados a conhecer unicamente o seu lado divino, mas sim grande parte do seu lado humano também, há muito perdido dentro de sua personalidade forte, e de incrível superioridade perante aos outros humanos.

“O meu nome é Ozymandias, rei dos reis. Contemplem minhas obras, ó poderosos, e desesperai-vos!”

Continuando cada vez mais suas investigações, que agora já contam com a ajuda do Coruja, Rorschach chega ao seu principal suspeito. Alguém que, em sua concepção, jamais ousaria suspeitar. Mais tarde, descobririam que a morte do Comediante foi apenas um desvio no grande plano do homem por trás de tudo. Um plano perverso, porém necessário para definir o futuro, e a paz entre nações mundiais. Enquanto isso, Laurie tem uma das conversas mais sensacionais da história com o Dr. Manhattan, onde ambos estão em Marte, discutindo sobre o futuro da humanidade.

“E o humano mais inteligente do mundo, para mim, não significa mais do que um cupim mais inteligente.” – Dr. Manhattan.

Com uma conclusão monumental, Watchmen consegue surpreender cada um dos seus leitores, consagrando a obra como uma das mais importantes, e sensacionais já feitas. Estaria certo alguém matar milhões para salvar bilhões? Bem, a história pode claramente te convencer que sim. “O homem é o lobo do homem”, como já dizia Thomas Hobbes, tentando expressar-se que o homem é o maior inimigo dele mesmo.

A verdade é que Watchmen é uma história de heróis, onde não possuímos um vilão (dependendo do seu ponto de vista). O seu plot e toda a sua construção são incrivelmente bem escritas, e bem desenhadas também (desenhos esses que muitas das vezes são simétricos). Além disso, na trama, possuímos uma história intermediária chamada Os Contos do Cargueiro Negro, uma história em quadrinhos de piratas, lida por um personagem coadjuvante da obra, onde podemos entender um pouco mais as motivações e pensamentos do grande autor por trás dos terríveis acontecimentos da história. Os tempos estão mudando, só não sabemos se eles mudarão para melhor, ou para pior. Quem controla os controladores? Quem governa os governantes? Quem guarda os guardiões? Quem vigia os vigilantes?

A obra de Alan Moore e Dave Gibbons ganhou uma adaptação cinematográfica em 2009, pelas mãos de Zack Snyder. Bem, espero que tenham gostado dessa resenha, já que me dediquei bastante para que não saísse de qualquer jeito; e por gentileza, caso nunca tenha lido esse quadrinho na sua vida, faça um favor a si mesmo e leia. Termino meu post com uma das mais sensacionais falas do Rorschach na trama, uma “piada” contada pelo personagem:

“Me contaram uma piada:

Um homem vai ao médico. Diz que está deprimido, e que a vida parece dura e cruel. Conta que se sente só, num mundo ameaçador onde o que se anuncia é vago e incerto. O médico diz: “O tratamento é simples. O grande palhaço Pagliacci está na cidade. Vá ao show dele. Isso deve animar você”. O homem então, se desfaz em lágrimas e diz: “Mas, doutor… Eu sou Pagliacci”.

Boa piada. Todo mundo ri. Rufam os tambores. Cortinas.”

Watchmen #01 a #12 (Watchmen #01 a #12 – EUA – Setembro de 1986 a Outubro de 1987, DC Comics). Roteiro: Alan Moore. Arte e letras originais: Dave Gibbons. Cores: John Higgins.

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Sobre o Autor

Apaixonado por quadrinhos, cinema e literatura. Estudante de Matemática e autor nas horas vagas. Posso também ser considerado como um antigo explorador espacial, portador do Jipe intergaláctico que fez o Percurso de Kessel em menos de 11 parsecs — chupa, Han Solo!