ATENÇÃO: Não leia sem antes ter lido o primeiro capítulo: Um dia comum na vida de um super-herói comum.
Terça-feira. 6 horas da manhã.
Toca o despertador. Ajustado para a função rádio. Sintonizado em uma estação que só toca músicas dos anos 80. Heat Of The Moment, do Asia, é a faixa em reprodução.
“It’s the heeeeeeeeeat of the moment…”
Bruce Harris acordou. Tropeçou no palhaço de brinquedo. Conversou com sua esposa. Se arrumou. Foi para a Central dos Super-Heróis. Ouviu aquela piada ruim do Gavião Noturno sobre o palhaço ter ido pro hospital. Saiu para patrulhar. Tudo estava tranquilo. Foi abordado por um louco com tangerinas que dizia estar se protegendo dos palhaços porque eles queriam “destruir legal”. Parou pra almoçar. Voltou à ronda. Encontrou um super-vilão montando uma mega-arma na Avenida Morrison quando estava perto de terminar seu turno.
Ao ver o meliante, o herói teve uma sensação de dejá vu. Ele iria, instintivamente, gritar “PARADO!”, mas antes que o fizesse, teve o pressentimento de que era melhor tentar uma abordagem diferente.
Aproveitando-se que o vilão não havia notado sua presença por estar tão concentrado em montar a mega-arma, o Homem-Trovão voou em alta velocidade, pegou o dispositivo de alta destruição e o levou para o espaço, deixando-o por lá mesmo.
Voltando para a Terra, foi surpreendido ao se deparar com o criminoso voando em sua direção, enfurecido e exalando ondas de energia.
Um violento soco acertou em cheio o rosto de Bruce e o fez perder a consciência em pleno vôo, causando-lhe uma queda monstruosa, que abriu uma cratera no chão.
Aproveitando-se disso, o vilão voou pra longe e desapareceu nos céus novamente.
O pedido de socorro foi emitido. Os reforços chegaram tardiamente. Os paramédicos o levaram às pressas ao hospital. Os médicos tentavam reanimá-lo. Seus sinais vitais caíam…
Mais uma vez, o herói foi derrotado e o vilão escapou. Mas desta vez, ele conseguiu impedir que aquele prédio fosse destruído e que aquelas pessoas morressem.
Terça-feira. 6 horas da manhã.
Toca o despertador. Ajustado para a função rádio. Sintonizado em uma estação que só toca músicas dos anos 80. Heat Of The Moment, do Asia, é a faixa em reprodução.
“It’s the heeeeeeeeeat of the moment…”
Acordar. Palhaço de brinquedo. Piada ruim. Louco das tangerinas. Dia tranquilo.
Alguns minutos antes do momento em que se depararia com o super-vilão montando a mega-arma, o Homem-Trovão teve um pressentimento de que deveria ir para a Avenida Morrison.
Chegando lá, viu a tampa de um bueiro sendo aberta, e o familiar vilão saindo do esgoto, com apetrechos para montar a mega-arma.
Ao vê-lo ali, Bruce teve alguns lampejos de memória. Sabia exatamente o que deveria fazer.
Enquanto o meliante estava distraído, o super-herói pegou a arma e a levou para o espaço.
Ao voar de volta para a Terra, ele já sabia que o super-vilão viria em sua direção.
Quando o momento chegou, ele desviou e driblou seu inimigo.
Surpreso, o bandido teve de improvisar. Disparou uma rajada de energia contra o herói, que não o feriu, mas o empurrou pra longe e o deixou momentaneamente desorientado.
Segundos depois, Bruce já havia se recuperado, mas infelizmente isso foi tempo suficiente para que o meliante escapasse.
Terminado seu expediente, o Homem-Trovão retornou para a Central dos Super-Heróis, registrou mais um dia de trabalho concluído e informou sobre o foragido criminoso.
Finalizada toda a burocracia, Bruce Harris voltou para sua casa, cansado e pensativo.
Chegando lá, beijou sua esposa, abraçou seu filho, tomou um banho, vestiu uma roupa confortável, jantou e foi assistir televisão.
Às 22:30, ele e sua esposa foram para a cama. Antes de dormir, Bruce perguntou:
– Amor, já teve a sensação de viver o mesmo dia repetidas vezes?
– Sempre. Se você que é um super-herói está sentindo isso, imagina eu que tenho um emprego chato em um escritório. – respondeu Isabelle, abrindo um sorriso.
Bruce deu uma risada e retribuiu o sorriso. Definitivamente não esperava essa resposta.
Terminada a conversa noturna, eles dormiram.
O vilão escapou de novo, mas dessa vez, além do prédio não ter sido destruído, o Homem-Trovão também não foi parar no hospital.
Terça-feira. 6 horas da manhã.
Toca o despertador. Ajustado para a função rádio. Sintonizado em uma estação que só toca músicas dos anos 80. Heat Of The Moment, do Asia, é a faixa em reprodução.
“It’s the heeeeeeeeeat of the moment…”
Bruce Harris acorda. Mas desta vez é diferente. Desta vez, ele se lembra de tudo.
A primeira coisa que fez ao se levantar foi pegar aquele maldito palhaço de brinquedo e arremessá-lo pela janela.
Tomou seu banho, vestiu seu uniforme, tomou café da manhã, escovou os dentes, se despediu de seu filho e de sua esposa e foi para a Central dos Super-Heróis.
O Gavião Noturno vinha em sua direção, e antes que abrisse a boca, o Homem-Trovão o cortou:
– Já sei, o palhaço foi pro hospital porque tava com o nariz vermelho. E não, essa piada NÃO é ótima, ela não tem a menor graça, e é pior do que aquela da galinha atravessando a rua.
Ao começar seu turno, passou pelo louco das tangerinas, e antes que este lhe abordasse, Bruce lhe zoou em um tom bem ríspido:
– Cuidado com os palhaços hein Homem-Tangerina, eles querem destruir legal!
Sem entender a ironia, o doido respondeu:
– FINALMENTE ALGUÉM QUE SABE DA VERDADE!!!
“Eu hein”, pensou Bruce, “o cara é mais pirado do que eu pensava”.
Mas ele já não tinha mais tempo para brincadeiras. Tinha um compromisso na Avenida Morrison.
Chegando lá, abriu aquela tampa de bueiro da qual o meliante havia emergido e adentrou o esgoto.
Um bizarro gerador de energia que parecia ter saído de um livro de ficção científica do século XIX encontrava-se ali. Conectado a ele estava a mega-arma, sendo carregada.
O Homem-Trovão aproveitou que a carga da arma ainda estava baixíssima e a destruiu, junto do gerador, na base da porrada.
Seguindo adiante encontrou outro gerador, este fornecendo energia para o maligno homem que havia lhe derrotado três vezes seguidas.
– Ah, então é daqui que vem seus poderes? – perguntou retoricamente o herói.
O meliante tomou um susto e começou a desconectar os cabos grudados no seu corpo às pressas, mas já era tarde demais.
O super-herói destruiu aquela engenhoca e logo em seguida agarrou o vilão pelo pescoço. Sorrindo maliciosamente, fez outra pergunta retórica:
– Não é tão poderoso agora, né?
Com apenas um soco, Bruce nocauteou o bandido, e o levou para a prisão.
O dia foi salvo.
Agora era hora de ir atrás de respostas para o que estava acontecendo, e se tinha alguém que poderia lhe ajudar, esse alguém era o Professor Quantum, o super-herói responsável por lidar com anomalias temporais.
A Torre do Relógio
A Torre do Relógio era o lar e base de operações do Professor Quantum. Localizada no topo de uma montanha em uma área remota de Miracle City.
O Homem-Trovão pousou em frente ao enorme portão da Torre cercada por muros e tocou a campainha (cujo som imitava as badaladas de um sino).
Uma “janela” se abriu no muro, de onde emergiu a cabeça de um divertido robô porteiro, feito de latão e movido a vapor, que educadamente o atendeu:
– Saudações, nobre cavalheiro. Em que posso ser útil?
– Eu preciso falar com o Professor Quantum, meu nome é Bruce Harris, sou o super-herói Homem-Trovão. – respondeu Bruce, mostrando-lhe seu distintivo.
– Aguarde apenas um instantinho. – disse o robô, retornando para dentro e fechando a “janela”.
Segundos depois, o portão se abriu.
O herói entrou.
Após adentrar o recinto, o portão se fechou atrás dele.
Bruce ficou deslumbrado com o belíssimo quintal do Professor Quantum, ornamentado com árvores, plantas e flores de muitos tipos diferentes, sendo cuidadas por vários robôs jardineiros, que o cumprimentavam enquanto passava.
Em frente às portas abertas da Torre, um simpático robô mordomo (também feito de latão e movido a vapor) o aguardava.
– Seja bem-vindo à Torre do Relógio, meu mestre o espera no último andar.
O autômato servente guiou Bruce em direção ao elevador.
A Torre era um lugar muito bonito, habitada por um homem culto e de gostos refinados. Por fora, ostentava um design inspirado pela arquitetura européia gótica. Por dentro, era embelezada com uma decoração extremamente sofisticada. No chão, tapetes vermelhos. No teto, candelabros carregando velas. Nas paredes, aves empalhadas das mais variadas espécies e quadros de importantes figuras históricas: pintores, escultores, inventores, poetas, romancistas, músicos, dramaturgos, cineastas, filósofos, navegadores, heróis de guerra, políticos, economistas, líderes religiosos, cientistas.
Os dois entraram no elevador. Tocava jazz.
O Homem-Trovão só conhecia o Professor Quantum pela sua reputação, nunca o vira pessoalmente e nem sabia como era sua aparência, mas imaginava que ele fosse britânico ou francês. Talvez alemão, ou, quem sabe, italiano.
Chegaram ao último andar. As portas do elevador se abriram. O mordomo estendeu seus braços mecânicos, irreverente, convidando o herói a prosseguir.
– Foi um prazer conhecê-lo, Homem-Trovão. – disse o autômato, se despedindo.
– Obrigado… – respondeu Bruce, sem saber ao certo se isso significava alguma coisa para aquela máquina.
A sala de operações do Professor Quantum no topo da Torre era um lugar bastante excêntrico. Repleto de tecnologias futurísticas com estética vintage que pareciam ter saído de Os Jetsons, máquinas a vapor que davam ao ambiente uma atmosfera steampunk, vários relógios de cuco pendurados nas paredes e geringonças científicas que lembravam o laboratório do Dr. Victor Frankenstein.
Bruce se sentia dentro de uma história em quadrinhos saída das páginas de uma revista pulp da década de 40. Era como se aquele lugar tivesse ficado congelado na época da Revolução Industrial e evoluído muito mais que o restante do mundo. Passado e futuro andavam de mãos dadas na expressionista Torre do Relógio.
E lá estava o dono de tudo aquilo, sorridente.
Para a surpresa do nosso heroico protagonista, o Professor Quantum não era europeu, e sim um neozelandês com um sotaque maori bem carregado.
– Seja bem-vindo, Homem-Trovão – disse, com uma felicidade genuína em sua voz, pois raramente recebia visitas – por favor, sente-se. – continuou, apontando para uma confortável poltona – Chá?
O super-herói aceitou, e imediatamente um robô empregado com rodas no lugar dos pés o serviu.
– A que devo a satisfação? – perguntou o Professor.
Bruce contou-lhe tudo.
– Que estranho, não detectei nenhuma situação do tipo recentemente.
O Professor então ativou seu super-computador (que parecia um ENIAC, mas era mais potente que os computadores da NASA) e mandou fazer uma busca por loops temporais.
O resultado o surpreendeu.
Não apenas o Homem-Trovão, mas TODAS as pessoas do mundo estavam presas em loops, incluindo…. ele próprio!
Bruce ficou pasmo:
– Mas… você é o Professor Quantum, você descobre essas coisas muito antes delas acontecerem, isso… isso não faz o menor sentido….
O Professor o encarou. Seu sorriso brincalhão se desfez para dar lugar à uma expressão extremamente séria. Por fim, transbordando um sentimento de gravidade em sua voz, falou:
– Estamos lidando com forças muito além da nossa compreensão.
CONCLUI A SEGUIR….