O cineasta chinês John Woo é famoso, dentre outras coisas, por ser um especialista na criação de sequências de ação eletrizantes. Sua influência no cinema de ação dos anos 1980 e 1990 pode ser sentida nas obras de cineastas como Oliver Stone, irmãs Wachowski e Quentin Tarantino, fãs confessos do diretor. Quatro anos após o enorme sucesso do primeiro Missão: Impossível, que foi um misto de blockbuster de ação moderno e suspense hitchcockiano nas mãos do mestre Brian De Palma, a contratação de Woo era a escolha óbvia do produtor e astro Tom Cruise, que desejava lançar a franquia de cabeça na ação insana e cada vez mais “impossível”.

Missão: Impossível 2 é um entretenimento feito sob encomenda. E justamente nesse aspecto residem os seus maiores acertos e os seus maiores erros. O enredo é o que menos importa, e todas as sequências de ação começaram a ser planejadas por Woo antes mesmo que um roteiro estivesse pronto. Robert Towne teve de criar uma história que se ajustasse ao que havia sido pensado em termos de coreografia de ação e ao mesmo tempo interligasse todos os pontos entre si. E esse gargalo entre os dois processos fica evidente durante todo o filme.

A história é bem simples: um vírus (quimera) criado pela Biocyte Pharmaceuticals é roubado pelo agente da IMF Sean Ambrose (Dougray Scott), que pretende espalhar uma epidemia biológica pelo mundo para em seguida lucrar milhões vendendo a sua cura. O comandante da IFM Swanbeck (Anthony Hopkins em participação extremamente curta e não creditada) encarrega Ethan Hunt (Tom Cruise) de recuperar o vírus e recrutar Nyah Nordoff-Hall (Thandie Newton), uma ladra profissional e ex-namorada de Ambrose, para ajudá-lo. Ethan completa o seu time de apoio com o retorno do hacker Luther Stickell (o sempre carismático Ving Rhames) e a adição do piloto Billy Baird (John Polson).

O nosso primeiro encontro com Ethan Hunt – o verdadeiro, já que antes disso temos o vilão assumindo a sua identidade em um avião – alicerça em questão de segundos o novo rumo do personagem, agora um herói de feitos ainda mais improváveis e impossíveis. Escalando uma montanha sem auxílio de nenhum equipamento, Cruise escorrega e fica dependurando com apenas uma mão. Mas ele não se preocupa; ao contrário, sorri. Se diverte. Essas são as suas férias. A sua diversão é estar a mercê somente das suas habilidades a mais 600 metros de altura. Em seguida dá um salto de mais de 4 metros para uma escarpa ao lado como se estivesse saltando entre calçadas. A câmera abre em um plano geral, enorme, capturando a vastidão do lugar, sua extensão e altura. Cruise é um ponto minúsculo naquela imensidão. O ator fez a sequência inteira pendurado apenas por um cabo, sem rede de segurança. Durante todo o filme ele demonstra um brilhante entendimento da ação física.

A intensa perseguição de carro em Sevilla entre Ethan e Nyan numa estrada que ladeia um precipício é encenada como um flerte, um começo de namoro que conectará os dois personagens emocionalmente ao longo de toda a narrativa. Essa ação romântica adiciona algumas camadas ao protagonista, que se importa genuinamente com Nyan – e esse aspecto mais humanizado de Ethan seria muito explorado nos filmes seguintes. Hans Zimmer reorquestra o tema clássico de Lalo Schifrin ao estilo rock and roll, com solos de guitarra e ritmo acelerado, deixando-o ainda mais contagiante. Nos demais temas investe nos dedilhados dos violões flamencos, valendo-se também de uma trilha com corais que combina com a dramaticidade típica de Woo e com a interpretação propositalmente mais canastra de Cruise.

O recurso das máscaras é usado ao extremo aqui, de um modo que nenhum outro filme da franquia conseguiria reprisar. Ethan vira Stamp (Richard Roxburgh) e McCloy (Brendan Gleeson), Stamp vira Ethan para ser morto e Sean vira Ethan em duas ocasiões. Se as revelações de identidades já não surpreendem mais, ao menos divertem bastante, talvez de maneira especial o próprio Woo, que três anos antes trocou os rostos de Nicolas Cage e John Travolta no thriller A Outra Face (1997) e sempre usou as trocas de identidade em seus filmes.

O extraordinário clímax na costa australiana é John Woo em seu melhor, embriagado na câmera lenta constante, no dramatismo marcante, na pirotecnia exacerbada e na coreografia de ação bailada, como se fosse uma dança. Muitos planos médios e curtos dos movimentos. Ações totalmente caóticas mas visualmente compreensíveis. Não falta nem mesmo a sua assinatura visual com os famosos pombos, que transmitem charme e elegância aos túneis escuros do quartel-general do inimigo e uma sequência de arrepiar quando um deles voa pela porta em chamas que Ethan acabou de destruir.

Daí em diante acompanhamos todo o caos ensaiado que fez a fama do diretor. Uma perseguição que passa pela costa litorânea, por estradas vicinais, pela mata e termina de volta à beira do mar. Motos saltando por cima das câmeras, motos cruzando motos, carros explodindo e capotando diversas vezes; Cruise realizando acrobacias, passando por entre as chamas com a moto, fazendo dela um esqui para escapar de tiros, empinando sob a roda da frente, passando a centímetros de ser atingindo por um carro, girando sobre o eixo, tirando uma mão do guidão e atirando no veículo – que explode.

O “mano a mano” entre Ethan e Sean na perseguição final é uma fantástica homenagem ao western, uma das grandes influências de Woo, especialmente o cinema de Howard Hawks e Sam Peckinpah. Os cavalos são as motos; os agentes, os cowboys. Um perseguindo o outro e atirando, até o duelo final em que o ronco do motor funciona como a mão no coldre dos novos tempos.

Da insanidade das motos sendo lançadas no ar e explodindo, para o combate final, na areia, em uma luta corporal. Quando o diretor aproveita para voltar aos anos 1970. Aos inúmeros filmes de artes marciais que dirigiu em Hong Kong, no começo da carreira. A luta entre Tom Cruise e Dougray Scott é algo que a franquia Missão: Impossível nunca mais voltaria a exibir: um combate corpo a corpo com muito kickboxing e movimentos plásticos.

São voadoras, chutes e mais chutes, chute lateral giratório, chute duplo, chute com giro 360, perna prendendo o braço do adversário e acertando o seu rosto em seguida – como Bruce Lee cansava de fazer. E facas. Luta com facas. Com direito a uma de verdade a um centímetro do olho de Cruise. Ainda há tempo para Woo coreografar o ator em câmera lenta chutando uma arma do chão, girando sobre si mesmo, empunhando-a no ar e atirando no vilão enquanto cai na areia. Mais bailado, impossível. Mais Woo do que isso, também.

Se John Woo e Tom Cruise não conseguiram produzir um filme que se igualasse ao anterior, ao menos fizeram uma sequência divertida, enérgica, a mais estilizada de toda a franquia e de enorme sucesso financeiro (novamente). E estabeleceram o caminho que Missão: Impossível percorreria dali em diante: um diretor diferente a cada filme, uma nova abordagem e um novo estilo. Um mesmo universo, sempre com o mesmo protagonista, mas em produções únicas, que ao mesmo tempo que dialogam com as que vieram antes e depois, também funcionam isoladamente.

Missão: Impossível 2 (Mission: Impossible II) – EUA, 2000, cor, 123 minutos.
Direção: John Woo. Roteiro: Robert Towne. Música: Hans Zimmer. Cinematografia: Jeffrey L. Kimball. Edição: Steven Kemper e Christian Wagner. Elenco: Tom Cruise, Anthony Hopkins, Dougray Scott, Thandie Newton, Ving Rhames, Brendan Gleeson, Richard Roxburgh e Dominic Purcell.

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Sobre o Autor

Católico. Desenvolvedor de eBooks. Um apaixonado por cinema – em especial por western – e literatura. Fã do Surfista Prateado e aficionado pelas obras de Akira Kurosawa, G. K. Chesterton, John Ford, John Wayne e Joseph Ratzinger.