— “O Pérola Negra… Já ouvi histórias. Soube que ataca navios e povoados há quase 10 anos. Nunca deixa sobreviventes.”
— “Sem sobreviventes? Então me diga, amigo… Quem conta as histórias?”

Essas falas que citei acima pertencem ao primeiro filme da franquia, Piratas do CaribeA Maldição do Pérola Negra. Uma famosa frase, citada em todos os filmes da trilogia original, remetia exatamente a esse conceito: “Os mortos não contam histórias”. Não coincidentemente, acredito eu, esse é o título do mais novo filme da saga. Pelo menos nos Estados Unidos, já que no Brasil o filme ganhou essa horrorosa “tradução” de A Vingança de Salazar“Os mortos não contam histórias”, além de ser um dos muitos lemas e frases de efeito da franquia, tem um significado maior nesse quinto capítulo, já que é referenciado dessa vez com uma objetiva conotação.

A história, com seus progressos e regressos

O espanhol Capitão Salazar (Javier Bardem), que no passado quase extinguiu a raça pirata dos oceanos, foi amaldiçoado após entrar na Caverna Sinistra, em uma batalha contra um naviozinho, chamado Gaivota Moribunda, liderado pelo jovem Capitão Jack Sparrow (Johnny Depp). Toda a tripulação do Maria Silenciosa, embarcação de Salazar, também é condenada à maldição, e por anos todos os tripulantes ficaram trancafiados na Caverna Sinistra, esperando a jura ser quebrada. Tudo, de alguma forma, estaria ligada à conhecida bússola de Sparrow.

Fico feliz em dizer que o desempenho de Johnny Depp está bem melhor do que o mostrado no quarto filme da franquia. Parece que aqui ele está mais animado com o projeto e consegue nos entregar uma atuação digna, porém, novamente, sem o brilho da que vimos nos três primeiros filmes. Embora o desempenho de Depp esteja favorável, não vemos nenhum crescimento do personagem ao longo do filme. Parece que, após No Fim do Mundo, o personagem parou no tempo e nunca mais evoluiu. O excelentíssimo e majestoso Geoffrey Rush também retorna nessa nova história, e seu desempenho está, como sempre, ótimo. Rush está mais confortável do que nunca no papel, embora o roteiro do filme não faça ele se mostrar tão icônico como nos anteriores. Inventam no fim do da história um draminha safado para o personagem, que o desconstrói completamente. Esse nem parecia o infame Capitão Barbossa que aprendemos a conviver e amar ao longo dos anos.

Javier Bardem nos entrega um vilão bom, mas nada memorável. Sua atuação é estilosa, dando personalidade à locomoção e jeito de falar do personagem, e os efeitos aplicados ao terrível Salazar e sua tripulação são um deleite visual. O personagem tem uma boa origem e toda a passagem de flashback, que mostra ele ao lado do jovem Sparrow,  é incrível. Não chega aos pés de ícones como Davy Jones ou o Barbossa (no primeiro filme); talvez se equipare ao que o Barba Negra foi no capítulo anterior. A nova dupla de protagonistas, Brenton Thwaites e Kaya Scodelario, estão muito bem também, e nos cativam rapidamente. O personagem de Brenton, Henry Turner, infelizmente é uma reciclagem do personagem de Orlando Bloom na trilogia original, representando alguém que, com a ajuda de Jack, livrará seu pai da maldição do Holandês Voador (a cada dia que passa eu vejo que a criatividade realmente acabou em Hollywood). A lindíssima e com a carreira em ascensão Kaya Scodelario talvez seja a melhor coisa de todo o filme; Kaya interpreta a jovem Carina Smyth, uma astróloga e estudiosa que está à procura do Tridente de Poseidon, para cumprir o desejo de seu pai. Ao longo da história, Jack e Henry também se verão à procura do Tridente. Orlando Bloom e Keira Knightley possuem participações tão pequenas que, se não estivessem no filme, não fariam a mínima diferença. São, descaradamente, fanservices mesmo.

A direção de Joachim Rønning e Espen Sandberg é bem mais competente que a de Rob Marshall no filme anterior, e ambos os diretores capturam a atmosfera da franquia de uma forma competente, embora que ainda não esteja sendo feita da maneira certa. A aventura pode ser sentida, mas não nos mostra a tensão e faz dar a mesma importância que as mostradas na trilogia original. Os efeitos especiais e visuais do filme estão excelentes, como de praxe. Toda a confecção da tripulação amaldiçoada está perfeita e com um toque peculiar. Até mesmo as criaturas estranhas e fantasmagóricas apresentadas na história, como os tubarões fantasmas, se destacam. A trilha sonora, que agora não tem mais o gênio Hans Zimmer como compositor e sim o morno Geoff Zanelli, não é memorável como nos longas anteriores. Consigo destacar uma única faixa legal, a música tema do vilão da história, e o resto é descartável. Aliás, me arrisco a dizer que, fora a faixa destinada ao Salazar, não houve acréscimo nenhum para a trilha da franquia. Geoff Zanelli apenas pegou as músicas memoráveis dos capítulos anteriores e deu uma repaginada, para disfarçar que não tinha talento suficiente para compor canções novas.

O fiasco apresentado em tela

Bem, vamos direto aos pontos que mais me incomodaram. A Vingança de Salazar peca em inúmeros pontos do roteiro, como continuação. É como se não honrasse todo o legado da franquia, que vivia na mente de todos os fãs árduos das histórias desse universo. Para começar, no filme é mostrado que Jack ganha a bússola das mãos ensanguentadas do recém falecido capitão do Gaivota Moribunda, porém na trilogia original nos é dito que foi a Tia Dalma/Calypso quem presenteou Sparrow com o objeto. Além disso, logo no início da história, o pequeno Henry Turner, com pouco mais de dez anos de idade, aparece e reencontra seu pai, indo à bordo do Holandês Voador. Will está com uma aparência decrépita e cheio de corais colados ao rosto; porém, na cena pós-créditos de No Fim do Mundo, que se passa dez anos após os eventos do filme (mais ou menos no tempo cronológico dessa cena apresentada em A Vingança de Salazar), podemos ver Will voltando, com a cara limpa e um aspecto super feliz. Se colocarmos na mesa que o personagem de Orlando Bloom se mostra bastante insatisfeito comandando o Holandês, aí que tudo se enrola mesmo. Essa foi a escolha do personagem no terceiro capítulo da franquia. Ele sabia no que estava se metendo, portanto não faz sentido estar com esse tipo de comportamento.

Quer mais erros cronológicos? Lembram do citado “draminha safado” que inventaram para o Barbossa? No filme descobrimos que ele é pai da Carina Smyth. Mas, vamos parar para pensar… Ela é uma personagem com mais ou menos a idade do Henry. Onde estava o Barbossa vinte anos atrás, na época em que Henry foi “feito” por Will e Elizabeth? Isso mesmo, na batalha contra Davy Jones e Lord Cutler Beckett. Como ele teve tempo de conhecer uma mulher nesse meio tempo, ter um filho com ela e depois ainda deixar a garota em um orfanato? E o pior de tudo, se levarmos em consideração que ela é mais velha que Henry, aí que tudo complica de vez. Barbossa estava MORTO antes da batalha mostrada em No Fim do Mundo, e antes disso era um pirata amaldiçoado que não podia nem sentir o gosto das comidas (agora eu te pergunto… ele poderia ter espermatozoides e copular uma dama sendo assim? rsrs). Barbossa nunca foi um personagem sentimental; ele era um nojento e ameaçador pirata, e colocar isso em sua personalidade o desconstrói de uma maneira bem medíocre (levando em consideração a forma que foi feita). Sem falar no fato de ele ter uma tatuagem das estrelas em seu braço. Meu Deus, que cena ridícula.

Será que o roteirista desse filme nem se deu ao trabalho de assistir os anteriores? Incompetente é pouco para definir Jeff Nathanson e seu profissionalismo.

Eu queria muito ter saído do cinema satisfeito e com lágrimas nos olhos, após muito tempo ter visto um Piratas do Caribe que os fãs realmente merecessem. Parando para pensar, existe um hiato de seis anos entre o quarto e o quinto filme, tempo mais do que suficiente para pensar em uma boa história e colocá-la em prática. Sinto em dizer que A Vingança de Salazar pode desmotivar qualquer fã de verdade a continuar assistindo a saga, caso a Disney opte por investir em mais sequências. Um filme que desconstrói fatores essenciais e desrespeita vários pontos da história estabelecida nos longas anteriores não deve ser apreciado. De regular para baixo, esse quinto capítulo não fez o gosto amargo deixado por Navegando em Águas Misteriosas desaparecer, mas sim aumentar. Uma pena, meus amigos. Uma pena. Ao menos a cena pós-créditos, que é outro tremendo fanservice do filme, é animadora (embora seja igualmente preocupante, já que não sei se confio no estúdio para explorar esse personagem, que sem dúvidas é o meu preferido da franquia, mais uma vez).

Piratas do Caribe: A Vingança de Salazar (Pirates of the Caribbean: Dead Men Tell no Tales) – Estados Unidos, 2017, cor, 128 minutos.
Direção: Joachim Rønning e Espen Sandberg. Roteiro: Jeff Nathanson. Música: Geoff Zanelli. Produção: Jerry Bruckheimer. Cinematografia: Paul Cameron. Direção de fotografia: Joel Cox e Gary D. Roach. Elenco: Johnny Depp, Javier Bardem, Geoffrey Rush, Brenton Thwaites, Kaya Scodelario, Orlando Bloom, etc.

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Sobre o Autor

Apaixonado por quadrinhos, cinema e literatura. Estudante de Matemática e autor nas horas vagas. Posso também ser considerado como um antigo explorador espacial, portador do Jipe intergaláctico que fez o Percurso de Kessel em menos de 11 parsecs — chupa, Han Solo!