Com o imenso e inesperado sucesso de Piratas do Caribe: A Maldição do Pérola Negra, é claro que a Walt Disney Pictures iria investir em alguma sequência do filme. Ou melhor, sequências. Em 2004, apenas um ano após o lançamento do primeiro longa, o estúdio veio com a ideia de filmar duas continuações em seguida, para que a franquia se tornasse uma trilogia, com inicio, meio e fim, nos moldes de O Senhor dos Anéis e Star Wars. Roteiros então começaram a ser desenvolvidos, e a expansão de toda a mitologia ao redor dessa fantástica história ganhou forma. Nas continuações, que seguiriam a história do original mas seriam algo próprio ao mesmo tempo, a Disney optou por tornar a saga mais sombria e melancólica, com um aspeto um tanto gótico e mais ainda aprofundado no sobrenatural, porém ainda mantendo o senso de humor característico e tão ovacionado do primeiro filme. As sequências também foram responsáveis por apresentar Davy Jones, principal antagonista de Sparrow e companhia nas histórias que seriam contadas.
Uma perigosa e envolvente aventura
Intitulada como O Baú da Morte, a continuação do já considerado clássico primeiro filme dessa franquia foi lançada em 2006. Contando novamente com os mesmos encarregados pelo primeiro filme, a sequência mantém a afiada e competente direção de Gore Verbinski, assim como uma produção de elevado nível por parte de Jerry Bruckheimer e um roteiro maluco e engraçado de Ted Elliott e Terry Rossio, que colocam vários personagens em situações extremas e desconstroem várias coisas apresentadas e estabelecidas na película de 2003. Como disse anteriormente, essa história se tornou muito mais melancólica e sombria do que a apresentada no longa anterior. Só pela sequência inicial podemos notar isso nitidamente, quando tudo parece estar fora de ordem.
Johnny Depp mais uma vez está espetacular como o malandro Capitão Jack Sparrow, que possui a história desse e do próximo filme rodando em volta de sua figura. Mais uma vez o ator nos entrega uma atuação digna de Oscar (embora não tenha recebido uma indicação ao prêmio dessa vez). Davy Jones (Bill Nighy), um dos mais terríveis e horripilantes piratas dos sete mares, capitão do infame Holandês Voador, mandou Bootstrap Bill Turner (Stellan Skarsgård), pai de Will Turner (Orlando Bloom), atrás do agora mais uma vez comandante do Pérola Negra. A história nos conta que, no passado, Jack havia feito um trato com Jones, para retirar o Pérola do fundo dos oceanos e nomeá-lo capitão desse seu amado navio. Durante 13 anos Sparrow velejaria pelos mares e seria um temido capitão pirata, mas todos sabemos que isso não aconteceu, devido ao golpe que o personagem sofreu por Barbossa (Geoffrey Rush) e o resto da tripulação (história que foi mencionada no filme anterior). Com o término desses 13 anos, Jones mandou um de seus homens atrás de Jack, para coletar sua alma e condená-lo a cem anos de servidão em seu navio. Claro que Sparrow, esperto do jeito que é, tentaria de todas as maneiras escapar dessa delicada situação. Por conhecer o ponto fraco de seu antagonista, Jack decide ir atrás do baú que o vilão guardou seu coração, do qual ele próprio arrancou, para poder perfurá-lo ou conseguir o controle sobre Jones.
Aprofundando e expandindo a mitologia desse universo, O Baú da Morte nos apresenta os mais variados tipos de personagens peculiares, como os Pelegostos, um povo canibal nativo de uma ilha isolada, que no início da história detém sob cativeiro Jack e o restante da tripulação do Pérola; e Tia Dalma, interpretada pela majestosa Naomie Harris, uma velha amiga de Sparrow que mais tarde mostra-se mais importante do que imaginávamos. Também podemos mencionar toda a tripulação do Holandês Voador, com formas grotescas e assustadoras aparências (corais e demais tipos de animais marinhos encontrados nas profundezas do oceano grudados em seus rostos e/ou espalhados pelo corpo). Stellan Skarsgård interpretando o que todos pensavam estar falecido Bootstrap Bill também convence, fazendo uma ótima performance e tendo cenas emocionantes com seu filho Will.
Kevin McNally retorna como o adorável companheiro de Sparrow, Joshamee Gibbs, assim como Lee Arenberge Mackenzie Crook dão às caras novamente como Pintel e Raguetti. Quem também dá o ar da graça é Jack Davenport, reprisando o papel de James Norrington, personagem que está muito diferente do filme anterior, pelo fato de ter renunciado a patente de Comodoro e agora viver no estilo de vida pirata. Orlando Bloom e Keira Knightley, novamente na pele de Will Turner e Elizabeth Swann respectivamente, também mantém o alto nível de atuação e continuam no romance iniciado na história pregressa. Um fato interessante e de crucial importância dentro da trama, foi Will ter mais destaque nesse filme do que no anterior, justamente pelo fato de reencontrar seu pai e possuir uma missão importantíssima dada pelo Lord Cutler Beckett (Tom Hollander).
O maquiavélico apaixonado
“Você conhece de Davy Jones, não é? Um homem do mar, um grande marinheiro… Até se envolver naquilo que perturba todo homem.”
Me senti na obrigação de separar um tópico para falar exclusivamente do vilão do filme. De acordo com as lendas, Davy Jones foi um conhecido velejador que se apaixonou por uma deusa chamada Calypso. Ela o recompensou desse amor, dando a ele a tarefa sagrada de coletar todas as almas pobres que morreram no mar, e transportá-las para os mundos do além. Jones, devido à dádiva concebida por Calypso, se tornou o senhor dos mares. O capitão do Holandês Voador poderia dar a qualquer marinheiro que concorde em o acompanhar durante essa jornada o poder de viver por cem anos, servindo a ele e ao resto da tripulação.
Também, por causa desse amor, Davy Jones concordou em pisar em terra firme uma vez a cada dez anos; e se esse sentimento que guardava em seu peito fosse verdadeiro para ele, sua tarefa seria completa, e um novo capitão do Holandês seria encontrado. A lenda também dizia que Davy Jones controlava o monstro Kraken, seu Leviatã, e que ordenava a ele que levasse até o fim do mundo, para uma existência eterna e solitária, todos aqueles que tentassem fugir de sua condenada tripulação.
Sempre que Davy Jones desembarcava, Calypso não se encontrava em parte alguma, pois os mares são inconstantes e imprevisíveis, assim como a poderosa deusa que governava esse domínio. Jones não era capaz de encontrar sua amada, por mais que queira. Seu pacto com ela não passava de uma farsa, e o temido capitão do Holandês Voador havia sido traído. O ódio em seu peito começou a transformá-lo em uma outra pessoa. Quando os homens do mar (os irmãos piratas) convocaram um grande Conclave, Davy Jones conspirou com eles para arrancar os mares das mãos de Calypso. Com sua ajuda, os Irmãos enganaram a deusa e a aprisionaram no corpo de uma mulher mortal. Logo, a dor de Davy Jones e a culpa pelo que ele havia feito se tornaram tão grandes que ele retirou de seu peito seu próprio coração, e o trancou dentro de um baú, voltando então aos mares, para continuar cumprindo as ordens de sua amada.
Bill Nighy, ator responsável pela interpretação desse personagem, dá um show em toda cena que aparece. Dando a Jones uma personalidade única e inconfundível, tanto na fala, nas ações e até mesmo no jeito de andar, Nighy transformou esse maquiavélico e apaixonado vilão em um ícone. Talvez, quem sabe, ele esteja à altura de tantos outros famosos e importantes vilões da sétima arte, como Darth Vader, o Coringa de Heath Ledger, o Hannibal Lecter de Anthony Hopkins, etc.
Cinematografia e trilha sonora
Diferente do primeiro filme, Piratas do Caribe: O Baú da Morte possui uma pós-produção que não envelheceu um dia sequer. Os efeitos especiais e visuais do filme são muito bem feitos, e me arrisco dizer que são um dos melhores já feitos na história do cinema. Por ser uma produção que necessita de muita maquiagem virtual, justamente pelo aprofundamento que o roteiro dá em um mundo mais fantástico e sobrenatural, com personagens e criaturas que demandam uma maior atenção na sala de edição, a sequência de A Maldição Do Pérola Negra precisava de muito investimento. Os 225 milhões que o filme custou não foram gastos por acaso. Os pequenos detalhes que podemos perceber cada vez que uma certa criatura ou personagem entra em cena são de tirar o chapéu. Com certeza esse é um dos pontos mais altos do filme, no quesito produção.
Hans Zimmer, compositor ganhador do Oscar por Rei Leão, retornou ao posto de compositor da trilha sonora da franquia e fez o inimaginável: superou a qualidade das faixas mostradas no primeiro longa. Com toda a mitologia sofrida de Davy Jones em torno de seu amor e ódio por Calypso, Zimmer tentou compôr o tema do personagem de uma forma que transparecesse todos os seus sentimentos, e conseguiu. A música é doce, triste e cruel ao mesmo tempo, tornando-se perfeita para definir a relação entre esses dois personagens. Mas não é só a trilha de Jones que surpreende, como também as melhorias feitas na faixa principal da saga, que geralmente aparece nas cenas onde o Capitão Jack Sparrow se encontra, e também o tema The Kraken, que ganha notoriedade quando a assustadora e irracional criatura de mesmo nome, que serve ao Holandês e seu capitão, da às caras.
Tendo um final completamente inesperado, desesperançoso e aberto, O Baú da Morte se tornou o meu filme preferido da franquia, e um dos meus prediletos de todos os tempos, por esses e inúmeros outros fatores que pude citar ao longo do texto. Pode não ser um filme para todos, mas com certeza é um épico do gênero de aventura/piratas/fantasia. A continuação, intitulada de No Fim do Mundo, dá prosseguimento à história e começa exatamente de onde esse filme parou; durante seu desenrolar, ele busca terminar toda a saga iniciada em A Maldição do Pérola Negra e O Baú da Morte, dando um final para toda a franquia; mas hoje sabemos que isso não aconteceu, já que posteriormente fizeram mais dois filmes (até agora). Ah, e antes que eu me esqueça… Um importante personagem do primeiro filme volta a aparecer bem no finalzinho, levando os fãs à loucura.
Piratas do Caribe: O Baú da Morte (Pirates of the Caribbean: Dead Man’s Chest) – Estados Unidos, 2006, cor, 151 minutos.
Direção: Gore Verbinski. Roteiro: Ted Elliott e Terry Rossio. Música: Hans Zimmer. Produção: Jerry Bruckheimer. Direção de arte: Rick Heinrichs. Direção de fotografia: Dariusz Wolski. Edição: Craig Wood e Stephen Rivkin. Elenco: Johnny Depp, Orlando Bloom, Keira Knightley, Bill Nighy, Stellan Skarsgård, Naomie Harris, Tom Hollander, Jack Davenport, Kevin McNally, Jonathan Pryce, Lee Arenberg, Mackenzie Crook, etc.