No luxuoso Taurus Express, o famoso Expresso do Oriente, um trem de longa distância criado em 1883 que conectava Constantinopla (atual Istambul), na Turquia, a Calais, na França, e comumente transportava membros da alta sociedade europeia, um homem de muitos inimigos, o norte-americano Samuel Edward Ratchett (ou simplesmente Cassetti), é encontrado morto com 12 punhaladas em sua cabine. De acordo com as evidências analisadas pelo médico Constantino, a morte teria ocorrido entre meia-noite e duas horas da manhã. À meia noite e meia, a neve acumulada nos trilhos fez o trem parar em uma nevasca no meio do seu trajeto de três dias, na antiga Iugoslávia – atualmente dividida em seis países. Parecia impossível que qualquer pessoa deixasse o trem (ou entrasse nele) durante esse período. O criminoso possivelmente ainda encontrava-se no comboio.

O plano parecia perfeito, mas o assassino não contava com uma coisa: a presença de Hercule Poirot entre os passageiros. O célebre detetive belga estava na Turquia quando recebeu um telegrama requisitando seu retorno imediato a Londres – e o homem da ordem e do método embarcou às pressas no trem expresso, curiosamente lotado para aquele período do ano. Ali, preso por horas (talvez por dias) em uma região montanhosa e inóspita, o excêntrico e ridículo homenzinho de cabeça oval e longo bigode crespo, perfeccionista ao extremo e sempre impecavelmente trajado, será desafiado a encontrar uma solução para o misterioso crime fazendo uso de suas “pequenas células cinzentas”

À bordo daquele vagão, além de Hercule Poirot e do morto Cassetti, viajavam mais treze pessoas, das mais diferentes classes e nacionalidades: o condutor francês Pierre Michael; Hector MacQueen e Edward Masterman, respectivamente, secretário e criado de Cassetti; a senhora americana Hubbard; a enfermeira sueca Greta Ohlsson; o conde Rudolph Andrenyi e a condessa Elena Andrenyi; o coronel inglês Arbuthnot; o senhor americano Hardman; o italiano Foscarelli; a jovem governanta inglesa Mary Debenham; a princesa russa Dragomiroff e a sua dama de companhia, a alemã Hildegarde Schmidt. A pedido de seu amigo Bouc, diretor da Companhia Internacional de Wagons-Lits, responsável pelo Expresso do Oriente, Poirot aceita um dos casos mais famosos de sua carreira.

O astuto Hercule Poirot é um dos grandes detetives da ficção policial de todos os tempos, criação genial de Agatha Christie, indiscutivelmente a maior escritora de romance policial que a literatura mundial já produziu – suas obras só não venderam no mundo mais do que a Bíblia e William Shakespeare. A inglesa Agatha Mary Clarissa Miller iniciou a sua carreira literária em 1921, com O misterioso caso de Styles, e escreveu mais de 80 romances até a sua morte, em 1976. A Rainha do Crime foi voluntária da Cruz Vermelha durante a Primeira Guerra Mundial, ajudando especialmente refugiados belgas (a nacionalidade de Poirot não é um mero acaso) e adquirindo enorme conhecimento sobre poções e venenos, que possuem grande relevância em quase todas as suas tramas sobre crimes espetacularmente arquitetados.

Assassinato no Expresso do Oriente é a magnum opus de Agatha Christie, tendo revolucionado o romance policial com seu enredo que parte de uma premissa simples, nos moldes de um subgênero clássico, o “mistério do quarto fechado”, quando um crime ocorre em um local isolado e todos os presentes tornam-se suspeitos, mas que se encerra com um desfecho subversivo, absolutamente inesperado e inovador. Publicado pela primeira vez em 1934, é até hoje um dos livros mais vendidos da Rainha do Crime e amplamente considerado o maior caso investigado por sua mais famosa criação, o meticuloso Hercule Poirot. O livro foi adaptado diversas vezes para o teatro, a televisão e o cinema – sendo o extraordinário filme de 1974, dirigido por Sidney Lumet e estrelado por Albert Finney e grande elenco, um estrondoso sucesso de público e crítica e a mais famosa de todas as suas versões para outras mídias.

Dois fatos reais inspiraram a Rainha do Crime na concepção da genial história de Assassinato no Expresso do Oriente. O primeiro, um temporal que a deixou presa no famoso trem em 1931, enquanto voltava da Europa após visitar o marido arqueólogo. A escritora não tardou em escrever cartas ao marido, voltando sua atenção para os demais passageiros, e muitas das características dessas pessoas serviram de base para os personagens do romance. O segundo, o famoso sequestro do bebê Charles Lindbergh Jr., filho de um aviador, ocorrido em Nova Jersey, em 1932, um dos crimes mais publicitados do século XX. Tempos após o rapto, a política encontrou a criança morta a uma curta distância da casa dos Lindbergh, e as suspeitas recaíram sobre empregados da família. A empregada Violet Sharp viu a sua vida revirada sob as acusações de envolvimento no macabro crime e acabou cometendo suicídio diante de toda a pressão. No final das investigações, o imigrante alemão Bruno Hauptmann foi preso como principal suspeito e condenado à morte na cadeira elétrica por um júri local. Hauptmann morreu alegando inocência e historiadores levantam suspeitas sobre a real autoria do crime até os dias de hoje.

O crime cometido no Expresso do Oriente foi extremamente ousado, e todos os treze passageiros são suspeitos para Hercule Poirot, que entrevista um por um, usando a sua arguta psicologia enquanto busca contradições e deslizes em suas narrativas que lhe permitam solucionar o mistério. A escrita de Agatha Christie é envolvente e direta – como em todas as suas obras – e percorremos rapidamente, cada vez mais instigados, a teia de mistérios que as células cinzentas do detetive belga desenrolam ante nossos olhos. A luta do homenzinho é também contra o tempo, já que ele não sabe se o assassino irá atacar novamente, e uma série de pistas falsas são deixadas durante a investigação, com o intuito claro de tentar enganar o célebre detetive. Só que tais enigmas poderiam iludir os melhores detetives das mais famosas organizações policiais do planeta, mas não Poirot.

Ao fim da história, diante dos passageiros (mais o seu amigo Bouc e o médico Constantino) reunidos no vagão-restaurante, o pequenino belga apresenta duas soluções para o assassinato, em um desfecho absolutamente sensacional que revela um crime cometido a partir de um plano engendrado com maestria e por uma motivação incrivelmente dramática, capaz de gerar um conflito moral nos leitores. Nas mãos de Bouc, diretor da Companhia, fica a decisão sobre qual versão apresentar para a polícia iugoslava – e a escolha é pela justiça verdadeira. A Poirot, a honra de se retirar com sucesso daquele que é um dos casos mais espetaculares de sua brilhante carreira, inteiramente solucionado em um vagão de trem preso em uma nevasca no coração do leste europeu.

Assassinato no Expresso do Oriente (Murder on the Orient Express) – Reino Unido, 1934.
Autor: Agatha Christie. Tradução: Petrucia Finkler. Publicação no Brasil: L&PM Pocket. Formato: 17,6 x 10,8, 272 páginas. Catalogação: Romance policial, literatura inglesa.

Compartilhe

Sobre o Autor

Católico. Desenvolvedor de eBooks. Um apaixonado por cinema – em especial por western – e literatura. Fã do Surfista Prateado e aficionado pelas obras de Akira Kurosawa, G. K. Chesterton, John Ford, John Wayne e Joseph Ratzinger.