Não existe nada de errado com o carro. Só que eu quero ir para um lado e ele vai para outro!
Em 1961, o escritor Gordon Buford escreveu uma história chamada “Car, Boy, Girl”, inspirado na relação de seus pais com automóveis (tratados como se fossem animais de estimação). Acontece que seu trabalho acabou sendo descoberto pelo grande Walt Disney. O visionário se interessou pela história e estava determinado a trazê-la para as telonas. Vendo o sucesso de produções como O Fantástico Super-Homem (1961), O Fabuloso Criador de Encrencas (1963) e, principalmente, Mary Poppins (1964), o diretor Robert Stevenson e os roteiristas Bill Walsh e Don DaGradi foram rapidamente contratados para tomar conta do projeto. A estrela Dean Jones, que antes tinha sugerido um filme sério sobre o primeiro carro esportivo levado para os Estados Unidos, foi convencido por Disney a embarcar. Infelizmente, Disney morreu em 1966 e não pode ver o resultado de seu último filme live-action feito sob sua própria autorização: Se Meu Fusca Falasse. Além de ser uma das franquias mais duradouras do estúdio (se não, a maior), o filme foi responsável por introduzir o primeiro automóvel vivo em live-action nos cinemas.
Antes de começar, falarei de algumas curiosidades. Para escolher a grande estrela, foram espalhados um modelo das marcas Chevrolet, Fiat, Volvo e claro, Volkswagen, e notaram qual deles chamava mais atenção. No caso, foi o representante da marca alemã. E assim nascia um dos carros mais famosos do mundo: Herbie. O roteirista Bill Walsh era um fã de beisebol, e decidiu homenagear o jogador Don Drysdale. O número 53 e as cores azul, branco e vermelho (que fizeram parte do uniforme de Drysdale) viraram uma das características principais do “personagem”. A sigla da placa de Herbie, OFP 857, é uma referência à primeira produção da Disney dirigida por Robert Stevenson, na qual as letras e números significam “OUR FIRST PRODUCTION, AUGUST, 1957”. Car, Boy, Girl; The Magic Volksy; The Runaway Wagen; Beetlebomb; Wonderbeetle; Bugboom e Thunderbug estavam entre os títulos considerados para o longa antes de oficializarem o nome como The Love Bug (que no Brasil, foi traduzido para Se Meu Fusca Falasse).
Agora, vamos para a sinopse: Jim Douglas (Dean Jones) é um piloto de corridas fracassado que mora com Tennessee Steinmetz (Buddy Hackett), seu melhor amigo que cria “arte” usando peças de carros destruídos. Ele é acusado pelo furto de um Fusca 63 branco em uma concessionária de automóveis importados pertencente à Peter Thorndyke (David Tomlinson), e é obrigado a comprar o veículo. Acontece que o automóvel misteriosamente possui vida própria e é capaz de fazer coisas incríveis, como atingir uma velocidade fora do normal. Esse fato ajuda Jim a vencer várias corridas em Laguna Seca e Riverside. Thorndyke, um campeão nacional da SCCA (Sports Car Club of America) fica fascinado com o pequeno Volkswagen e decide voltar para as pistas, se tornando o principal rival de Douglas.
Eles fazem 10 mil carros da mesma maneira. Mas um ou dois deles acabam se tornando especiais.
A história poderia ser facilmente adaptado para um longa animado, visto algumas características presentes nas animações clássicas do estúdio. Dean Jones interpreta um personagem inicialmente pessimista e egoísta muito bem, apesar de às vezes “relaxar” um pouco em certas cenas. Michele Lee é decidida, forte e independente como a secretária Carole Bennet. Buddy Hackett e David Tomlinson estão excelentes. O primeiro já era um comediante há muito tempo, e conseguiu facilmente trazer um estudante de filosofia oriental engraçado e amável. Já Tomlinson, que 5 anos antes atuou em Mary Poppins (1964), é um dos principais motivos pelo qual você deve conferir o filme. Ele pode ser definido como uma espécie de Dick Vigarista da Disney, que fará tudo para vencer mesmo que seja por meios sujos. Diferente dos carros antropomórficos de desenhos animados, o Herbie não pode falar. Em vez disso, ele utiliza sua buzina. Cada emoção do carro foi muito bem transmitida para o espectador.
Diria que este é o segundo melhor filme da carreia de Robert Stevenson. Ele soube dirigir as cenas de corrida e as habilidades de Herbie (para realmente dar velocidade ao Fusca, seu motor foi substituído pelo Porsche 356). E aliás, criatividade não falta. As partes onde o carrinho empina e chega em primeiro e terceiro lugar de forma inusitada são difíceis de se esquecer. Mas nada disso seria memorável se não fosse pela trilha sonora de George Bruns (também usada nos 4 filmes seguintes). Entretanto, apesar de boa, ela é exageradamente colocada em alguns momentos, deixando-a um pouco enjoativa depois de uma segunda conferida. Os efeitos especiais ainda estão bem convincentes, já que o filme é quase que totalmente prático (ao contrário do longa de 2005, Herbie: Meu Fusca Turbinado). Isto não chega a ser um ponto tão negativo, mas tive a impressão que Walsh e DaGradi enrolaram desnecessariamente certas partes do longa, deixando de explorar outros detalhes que fossem mais interessantes.
Não daria nota 10, mas é uma excelente indicação para a família e indispensável para fãs dos anos 60/70 e automóveis. Embora tenha idade (não ter envelhecido tão bem para alguns), Se Meu Fusca Falasse ainda consegue entreter. Já sabemos o final do filme, porém não imaginamos como os três protagonistas conseguirão vencer Thorndyke e seu parceiro Havershaw (interpretado por Joe Flynn). Não posso revelar muita coisa, mas adianto que foi uma ideia bem criativa para a época e muito bem filmada.
Se Meu Fusca Falasse foi o segundo maior longa da Walt Disney Pictures (por pouco quase ultrapassando Mary Poppins) e ficou no terceiro lugar de maiores bilheterias de 1968, perdendo para Funny Girl e 2001: Uma Odisseia no Espaço. Até a chegada de Star Wars em 1977, era uma das produções com ganhos mais altos. Após 13 anos descansando, Herbie tentará sair da garagem com um remake em formato de série pelo Disney XD. Só resta aos fãs torcerem por algo digno do Fusca mais famoso dos cinemas.
Se Meu Fusca Falasse (The Love Bug) – EUA, 1968, cor, 120 minutos.
Direção: Robert Stevenson. Roteiro: Bill Walsh, Don DaGradi (baseado em livro de Gordon Buford). Cinematografia: Edward Colman. Edição: Cotton Warburton. Música: George Bruns. Elenco: Dean Jones, Michele Lee, David Tomlinson, Buddy Hackett, Benson Fong, Joe Flynn, Joe E. Ross, Barry Kelley, Iris Adrian, Gary Owens