O ÚLTIMO TROVÃO
Capítulo 1 – Sórdido Desfecho


O céu clareou, radiante em meio à soturnidade, como nunca antes na história humana. Fez com que todas as almas gritassem em conjunto, naquele considerado como o último som produzido por todo o panteão de corpos residentes, agora já sem vida. O chão tremeu, sismo igualmente a um robusto e inesquecível terremoto, e perdeu sua estabilidade, durante patifes e míseros milésimos de segundos. O estrondo mastodôntico, efetuado a partir de um gigantesco e imponente raio, fincado sobre o solo, durante a luta de dois dos maiores titãs da contemporaneidade, fez o mundo dormir, para nunca mais acordar. Homens e mulheres comuns, de todos os tipos de idades, sucumbiram perante o poder daqueles dois fervorosos e emasculados seres. Considerados, durante muitas eras, deuses, que tempos antes andavam silenciosamente entre nós, acaçapados e temorosos, e desde quando deram às caras, trouxeram problemas para o pobre povo da Terra — povo esse que jamais desejou suas incômodas e imperfeitas presenças; rogavam e transpareciam querer transmitir heroísmo, todavia trouxeram ainda mais terror e inquietação devido às suas estadas.
ㅤㅤUma mão branca se esticou, débil e vagarosamente, e apoiou-se sobre o gélido e agora estático chão. Sua epiderme encontrava-se manchada de sangue — de si próprio e das pessoas à sua volta. As cicatrizes fundas agora ganhavam mais notoriedade e a culpa entranhada sobre sua mente auferia ainda mais destaque e peso. Algumas pequenas pedras, que antes formavam a estrutura linear da superfície pavimentosa, agora estavam espalhadas metros ao lado, separadas bruscamente de seus estados originais, providos pela união e estabilidade de seus átomos. Um olho castanho enxergava toda aquela destruição com desdém, constrangido e arrependido demais para concentrar suas forças em outra coisa. Nenhum corpo foi capaz de perpetuar-se ali, além das constituições físicas, resistentes, de outros seres poderosos presentes no local — já falecidos, com exceção de um. Foram evaporados instantaneamente no confronto, como uma gota d’água caindo em uma chapa-quente.
ㅤㅤAntes do clarão e do poderoso raio, os pedaços de carne ambulantes estavam sob ataque de uma feroz criatura mística, afeiçoada aos antigos deuses-magos que, com sua doutrina maléfica e inescrupulosa, visava escravizá-los e puni-los, como nenhum preceito humano fora capaz de fazer ao longo dos anos, instaurando um novo Império — seu novo Império — e reivindicando o que achava ser seu: o direito sobre a vida dos mortais. Um antigo mago, ancestral comandante de sua vida mágica, havia, milênios antes, o aprisionado, retalhando sua índole e mal-feitos perante os seres de sua própria raça. O ente baseava-se na junção dos corpos de dois progênitos escravos hebreus, que posteriormente tornaram-se um só: Aman e Adão, os primeiros escolhidos para proteger a humanidade.
ㅤㅤOs segredos mais antigos dos povos, relacionados a todas religiões existentes, guardavam os sigilosos desejos por proteções e zelos suprassumos. Vontade intrínseca, relacionada à vida de todo tipo de pedaço de carne. Segundo as lendas antigas, a criatura mística em questão, após ser impedida por seu altíssimo mestre, fora punida por seu ímpeto narcisista que negava suas atuais obrigações. A magia e feitiçaria, desde então, caíram no esquecimento da maioria dos habitantes do planeta e durante eras permaneceram deslembradas; até que um dia, um cientista maluco contemporâneo, em busca de conhecimento e poder, descobriu a tumba onde a criatura sombria permanecia enclausurada e, ingenuamente, a libertou. Um garoto então, quando a hora chegou, foi escolhido às pressas para ganhar as melhores habilidades existentes, dos deuses e semi-deuses mais poderosos que já existiram na mitologia e trajetória carnal. Esse tal garoto não possuía a alma mais pura do mundo mas, com o tempo, aprendeu a noção do que era certo, criando um inquebrável e persistente caráter. Com uma palavra mágica, ele adquiriu seus poderes e, assim sendo, protegeu e zelou pela humanidade durante décadas. Rogando duas simples sílabas, fazia seus mais terríveis inimigos se ajoelharem aos seus pés. Tornou-se o novo escolhido, chamado por muitos de hodierno Messias.
ㅤㅤOs dois titãs já haviam se enfrentado várias outras vezes. O garoto, que ganhara as habilidades dos deuses, fora incumbido de enfrentar essa mesma criatura em seu primeiro combate, como prova violenta, didática e inesperada dos aprendizados de suas poderosas habilidades. Ali estavam eles agora, caídos no chão, cercados por almas mudas e diminutas, marcando o derradeiro e mais cruel confronto entre eles. A alguns quilômetros de distância do local, os primeiros, e restantes, pedaços de corpos podiam ser contemplados, em uma verdadeira e, infelizmente, real prova da destruição que poderiam causar. Uma gigantesca cratera separava as duas poderosas divindades, que encontravam-se praticamente mortas e finadas. Ainda assim, a força de vontade de ambas, promovida por seus próprios ideais — maléficos e odiosos, ou não —, os fizeram recuperar a lucidez e se levantarem mais uma vez.
ㅤㅤO nariz, agora montado a ossos despedaçados, do que vestia vermelho sangrava, e as gotas grossas caíam perante sua vestimenta. Mesclavam-se à coloração de sua roupa, dando uma completa impressão de absorção das fraquezas que escapavam de si. A outra entidade, que portava um uniforme completamente enegrecido, levantava cambaleando, com um sorriso pernicioso cravado em sua vil face parda. Trajava preto pois carregava a ausência de luz dentro de si, a completa escuridão, que transmitia todo o vácuo de esperança que sua presença era capaz de trazer. As únicas luzes produzidas ao seu redor vinham de seus poderes assustadoramente perigosos e elétricos.
ㅤㅤOlho no olho, as divindades já se encaravam. Um ainda de joelhos, o outro já de pé, pousando com um temível e agraciado dom de soberania — tal alcunha corria por teu sangue, não tinha como ser diferente. O vermelho cuspiu em direção chão, sucinto, uma saliva rubra, mistura atroz de sua atual circunstância.
ㅤㅤ— Você é patético, garoto! — bravejou a divindade das trevas, rangendo os dentes. — Lutou para proteger o seu povo e foi incapaz de tal feito. Estariam decepcionados contigo, se pudessem conferir esta patife cena.
ㅤㅤAinda de joelhos, a perna direita do Relâmpago Vermelho possuiu forças o suficiente movimentar-se, saindo do conforto e pressionando o solo rachado. Em seguida, a perna esquerda realizou o mesmo movimento, acompanhada pelo resto do corpo, que ergueu-se ainda tomado por uma certa dificuldade. Escarlate como teu indumento, o Relâmpago Acerejado residia agora de pé, assim como seu adversário, a face fechada guardando uma raiva imensurável.
ㅤㅤTua cabeça não pensava bem, devido às inúmeras pancadas sofridas, mas permitiu-se observar novamente ao seu redor, uma outra vez que tudo lhe ocorreu, num átimo que pareceu durar mais que um éon. Seu mundo não existira mais como antes — e, como imaginou, jamais conseguiria se reerguer à acostumada fórmula. Maneando a cabeça, ele via apenas destruição e soturnidade. Antigos amigos, companheiros de combate e todo o resto, estavam no chão, estirados e entregues à morte, ou desintegrados — seus espectros pareciam, porém, ainda permanecerem ali, para que pudessem julgá-lo por não conseguir protegê-los. Perto dele, topavam alguns membros de sua família, também formada por pessoas poderosas: Mary, Freddy, Pedro, Darla, Eugene… e o pequeno Richie. Todos no chão. Silenciosos. Mortos.
ㅤㅤSuas sobrancelhas se encontraram, indicando a ilimitada raiva interior que tomava conta daquele corpo — antigamente inocente, repleto de frescor e vivacidade. Uma raiva prestes a explodir e produzir mais um poderoso e bárbaro raio. Não havia mais nenhuma alma para ser poupada. Seu precioso mundo de papelão era composto por rochas insondáveis e fortes, pelas quais não deveria expor o mínimo de cuidado. Tudo estava liberado, mesmo que essas palavras parecessem cruéis em sua mente. O planeta presenciava um de seus mais cruéis pesadelos.
ㅤㅤ— A humanidade não existe mais — voltou a bradar a criatura negra — Finalmente ela está à salva. À salva de si mesmo e de todo o pecado de seus corpos e almas. — Sua saliva esvoaçava com robustez e gosto, e o sorriso não parecia querer sair de seu rosto sangrento.
ㅤㅤUm longo suspiro ocorreu, enquanto o ser advindo da escuridão iniciou uma gargalhada triunfante. Ele havia vencido, finalmente, e todas as épicas batalhas ocorridas no passado não haviam valido de nada. Tudo e todos não existiam mais. Até os heróis mais poderosos e destemidos do mundo, anciões membros do grupo de companheiros do Relâmpago Vermelho, sucumbiram ao penúltimo trovão que os seres terrestres puderam conferir. O Armagedom se iniciou e foi finalizado em menos de um único segundo. Um único relâmpago, que foi capaz de transformar tudo em cinzas, acompanhado de um horripilante trovão. O que restou da fauna e da flora interplanetária estava prestes a tornar-se escasso, de vez. Isso viraria história, se a existencialidade permanecesse em tal solo terrestre deteriorado.
ㅤㅤ— Vamos… diga a palavra! — franziu a testa, o nervosismo sobressaindo em cada singela onda sonora. — Acabe logo com isso, garoto! E admita, enfim, sua derrota perante seu maior inimigo.
ㅤㅤO Relâmpago tremia, ferindo com o que restara de suas unhas a própria carne que revestia a palma de suas mãos.
ㅤㅤ— Diga a palavra. Diga agora!
ㅤㅤ— SHAZAM! — O ser vermelho gritou.
ㅤㅤE outro grande clarão aconteceu.


Inspirado nos personagens da DC Comics.
Shazam foi criado por Bill ParkerC. C. Beck.

Referências:

Shazam: Com Uma Palavra Mágica, por Geoff Johns e Gary Frank.
– Conto em alusão a Batman: O Cavaleiro das Trevas, de Frank Miller; e Reino do Amanhã, de Mark Waid e Alex Ross.

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Sobre o Autor

Apaixonado por quadrinhos, cinema e literatura. Estudante de Matemática e autor nas horas vagas. Posso também ser considerado como um antigo explorador espacial, portador do Jipe intergaláctico que fez o Percurso de Kessel em menos de 11 parsecs — chupa, Han Solo!