Dona Irene, recém-chegada ao asilo quis logo ir fazendo amizade. Aquela seria sua nova família, seus novos companheiros. Quem sabe até, dali não acharia um novo romance. Mas havia acabado de chegar e precisava antes “conhecer o terreno”. Fora abandonada no asilo pelo seu único sobrinho. E justo no dia do seu aniversário. É verdade que ninguém faz aniversário impunemente. O preço que se paga por isso é a velhice. Mas ela havia jurado que não guardaria mágoas do sobrinho por tê-la deixado ali. Mas guardava mágoas sim. Na verdade, por outro motivo. Uma mágoa vinda de muitos anos atrás, quando ele ainda era criança. Uma criança maldosa, diga-se de passagem. “Tudo culpa da internet”, repetia ela, sem muita certeza do que dizia. Sabia que a maldade vinha desde os tempos anteriores a internet. Ela mesma fora um dia uma linda donzela assanhada, que atraiu a atenção de alguns dos barões do café no Rio de Janeiro. Isso é o suficiente para que vocês calculem a idade que ela festejava em mais um aniversário. Apesar da idade avançada, a memória permanecia intacta. A desavença com o sobrinho foi em um diálogo rápido há muitos anos atrás:
– Sobrinho lindo, como vão as namoradas.
– Vão bem. E a senhora, como vão os vibradores?
Menino folgado. Mas ela o entendia por tê-la deixado ali. Ele também não guardava mágoas dela por nada. Inclusive, tratava-a muito bem e escolheu o melhor asilo da cidade para deixá-la. E tudo com o comprometimento de visitas constantes. E ali estava Dona Irene. Disposta a novas amizades, ou como até mesmo disposta a um novo par. Reparou em um senhor piscando para ela e sorriu ao notar o flerte. Logo percebeu o equivoco. Era apenas um tique nervoso e não uma paquera. Menos mal, estava sem a dentadura no momento e mesmo que estivesse piscando para ela, se faria de difícil. Não por muito tempo, é claro. A vida é curta e ela sabia que a dela, mais ainda. Deu mais uma volta e buscou consolo numa outra senhorinha que lhe deu as boas-vindas e começou a puxar assunto. Dona Irene queria mesmo conversar.
– Me chamo Arlete. Há mais de uma aqui. Então me conhecem como Arlete Artrite.
– Me chamo Irene. Por enquanto, apenas Irene.
– O que você tem nessa mão fechada aí, Irene?
– Adivinha.
– Um doce?
– Não.
– Um pássaro?
– Errou.
– Então o que é?
– Sequela de uma esclerose múltipla.
E foi esse o início de uma bonita e infelizmente não tão longa amizade.