Loucos por Nada (Eagle vs Shark no original em inglês) marca o promissor debut do singular cineasta neozelandês Taika Waititi (à época ainda assinando como Taika Cohen) na direção de longas-metragens, dois anos após ter sido indicado ao Oscar de melhor curta-metragem em live-action por Dois Carros, Uma Noite – cuja ideia seria o embrião do seu segundo filme, o excelente Boy. A história dessa comédia romântica sobre dois fracassados (um dos temas fundamentais da filmografia diretor) foi escrita em parceria com Loren Taylor (a protagonista do filme e sua então namorada) durante o laboratório de diretores e escritores do Festival de Sundance.

Lily (Loren Taylor) é uma tímida e solitária atendente da rede de fast food Meaty Boy – até ser demitida em um “sorteio” feito pela gerência para contenção de custos. Seus pais morreram vítimas de ataques cardíacos e ela mora com o seu irmão Damon (Joel Tobeck). Jarrod (Jemaine Clement) é um viciado em video games que trabalha em uma loja de computadores. Lily é apaixonada por Jarrod, que é freguês assíduo da lanchonete, e ensaia na frente do espelho do banheiro como será o pedido de namoro que ele um dia irá fazer a ela – apesar do rapaz nunca nem notá-la.

Os dois têm em comum uma verruga acima dos lábios (direito no dela; esquerdo no dele) e duas vidas que ainda não chegaram a lugar nenhum, sempre no quase e nas desilusões; dois inadaptados sociais tentando encontrar amor de maneiras estranhas e incomuns. Um frustrado convite de Jarrod – feito inicialmente a uma indiferente amiga de Lily – para uma constrangedora e bizarra festa à fantasia, onde todos devem ir vestidos como seus animais prediletos, muda seus caminhos. Jarrod, auto-nomeado “Senhor Águia”, com seu ridículo traje de Águia, impressiona-se com a fantasia de Tubarão de Lily – um animal solitário como a garota. E mais ainda com a fantástica habilidade da jovem no game Fightman (bizarramente inspirado em Mortal Kombat).

No quarto, a sós com Lily, ele apresenta suas velas macabras e demais esquisitices – em algumas das melhores e mais politicamente incorretas piadas do longa. Um beijo, dois beijos: um relacionamento tem início e os dois desajustados acabam embarcando em uma viagem à cidade natal de Jarrod, que deseja reencontrar, derrotar e humilhar o bully valentão que atormentou a sua vida na época do colegial. No reencontro com a família (que se dá muito bem com a encantadora Lily), descobrimos a existência de uma filha pequena de Jarrod, de um casal de irmãos golpistas e de amigos absolutamente retardados (destaque para o “hacker”). Memórias doridas são reabertas, problemas familiares ressurgem, especialmente no relacionamento com o pai que o ignora, e na lembrança da perda inexplicável de Gordon, o irmão esportista que cometeu suicídio – interpretado por Taika Waititi, em fotos e fitas VHS.

O romance entre os dois é testado constantemente diante da compulsão de Jarred por mentiras, da sua obsessão por vingança e também por sua estupidez – seus treinamentos à la “Karatê Kid” para tornar-se capaz de humilhar o seu algoz na frente da cidade toda são absurdamente toscos e hilários. Mas o amor incondicional da retraída Lily retira todas as suas máscaras de superioridade e derruba todas as suas inseguranças. Os dois atores entregam performances destacadas. Jemaine Clement está muito bem como um nerd retardado e loser que se acha o maioral e Loren Taylor surge em cena magnética, como uma doce jovem desengonçada, retraída e apaixonante, em uma atuação afetada que conquista com olhares e sorrisos tímidos e receosos; Lily está sempre pronta a fazer uma renúncia, a dizer um “sim”, ou um “uau”, com o seu sotaque acentuado, para aqueles que ama.

Loucos por Nada é uma produção independente, de orçamento extremamente reduzido, mas nem por isso descuidada ou de baixa qualidade. A direção de arte é retrô, a fotografia bem colorida, os cenários são curiosos, a trilha sonora alternativa da The Phoenix Foundation é encantadora e concorreu ao grande prêmio do júri no Festival de Sundance – assim como o filme – e os posicionamentos de câmera começam a apontar os indícios do estilo que Taika Waititi desenvolveria com talento nos filmes seguintes. Além disso, a capacidade do neozelandês para criar diálogos incríveis é simplesmente ímpar. Ele desenvolve a humanidade e os sentimentos dos personagens com habilidade ao mesmo tempo em que derrama graça sobre todas as coisas: um humor com muitos toques de absurdo, nonsense e inesperado, que, invariavelmente, deixa um sorriso no canto da boca do espectador ainda por muito tempo depois.

Tudo é intercalado por pequenos interlúdios de animação em stop motion (acompanhando a inusitada trajetória de uma maçã com patas) que entrelaçam o absurdo das situações vividas por aqueles personagens com uma delicada história emocional sobre o amor que surge nos desajustes, floresce nos desajustados e finalmente se ajusta tanto na aceitação do que o outro é (e não do que poderia ser) quanto na insistência característica, forte e imutável dos que amam.

Loucos por Nada (Eagle vs Shark) – Nova Zelândia, 2007, cor, 88 minutos.
Direção: Taika Waititi. Roteiro: Taika Waititi. Música: The Phoenix Foundation. Cinematografia: Adam Clark. Edição: Jonathan Woodford-Robinson. Elenco: Jemaine Clement, Loren Taylor, Craig Hall, Joel Tobeck, Brian Sergent, Rachel House, Dave Fane, Taika Waititi e Chelsie Preston Crayford.

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Sobre o Autor

Católico. Desenvolvedor de eBooks. Um apaixonado por cinema – em especial por western – e literatura. Fã do Surfista Prateado e aficionado pelas obras de Akira Kurosawa, G. K. Chesterton, John Ford, John Wayne e Joseph Ratzinger.