Relacione Disney e piratas. O que você tem em mente?

Piratas do Caribe, não é? A franquia, inspirada em no famosíssimo passeio da Disneyland, acabou surpreendendo e gerando 5 filmes. Mas não foi a primeira vez que o estúdio do Camundongo mexeu com essa temática. 38 anos atrás, Walt Disney aprovou o desenvolvimento de sua próxima e peculiar comédia: Blackbeard’s Ghost (O Fantasma do Barba Negra).

Adaptação do livro de Ben Stahl (o criador daquele famoso pôster de Ben-Hur), Walt escalou Robert Stevenson para a direção e Bill Walsh e Don DaGradi para o roteiro. Apesar disso, o próprio gênio decidiu colaborar no desenvolvimento da história. O trio fez mudanças sérias sobre o livro.

Entre essas mudanças, vieram o protagonista. Na obra de Stahl, seriam duas crianças a descobrirem e libertarem o espírito de Edward Teach. Mas foi observado o sucesso de Dean Jones em O Diabólico Agente D.C (1965) e Um Amor de Companheiro (1966), e ele foi rapidamente chamado para interpretar o professor Steve Walker. Outra mudança grande foi na personalidade do pirata. De uma alma sádica que só gosta de ver o circo pegar fogo, a Disney transformou Barba Negra em um espírito obcecado por uma bebida, ladrão quando tem a chance e, principalmente, brincalhão. As gravações começaram logo em 1966.

Infelizmente, ocorreu o inesperado. Walt faleceu em 15 de dezembro do mesmo ano. A morte do criador de grandes clássicos como Branca de Neve e os Sete Anões (1937) afetou todos os relacionados com a Walt Disney Pictures. Todavia, era necessário continuar o desenvolvimento de seus projetos. O Fantasma do Barba Negra foi terminado no final de 1967 e lançado em 8 de fevereiro de 1968.

O personagem de Jones chega em uma cidade chamada Goldolphin para ser o treinador de circuitos no Goldolphin College. Precisando de um lugar para ficar, Walker se hospeda um hotel dirigido por um grupo de idosas descendentes da tripulação do temível Barba Negra. As idosas estão tentando pagar suas hipotecas para que o hotel não seja vendido a Silky Seymour (Joby Baker), claramente um mafioso mal-intencionado. Steve acaba ganhando um quarto especial após ganhar a guerra de lances com um treinador de futebol. Este quarto, no entanto, pertenceu à décima esposa de Barba Negra: Aldetha Teach.

Walker acha um livro de feitiços, anteriormente propriedade de Aldetha. O professor recita um de seus feitiços: Kree kruh vergo gebba kalto kree. Pensa ele que tudo aquilo escrito é uma tremenda bobagem para crianças terem pesadelos durante o sono. Mas no momento em que Steve menos espera, dá de cara com o Barba Negra (Peter Ustinov) em pessoa…quer dizer, seu espírito. Amaldiçoado por sua mulher, Edward estaria condenado ao limbo se não fosse libertado por alguém, e esse alguém acaba por ser Steve Walker. Agora, os dois estão totalmente ligados, e o pirata só será libertado se fizer boas ações.

O livro é muito mais violento do que a adaptação cinematográfica (praticamente nula dessa questão). Por exemplo, as duas crianças da história original tinham que se preocupar em não serem mortas pelo fantasma e impedir o mesmo de matar os descendentes de seus inimigos passados. É claro, o filme cortou tudo isso e transformou Edward Teach em um pirata quase inofensivo, mas que também libera um ar ameaçador. Isso graças à ótima atuação do hilário Peter Ustinov.

Dean Jones se sente confortável em seu melhor filme para o estúdio. Suas reações quanto às ações de Barba Negra são quase o que nós sentiríamos se estivéssemos em seu lugar. A sua química com Ustinov é algo muito natural, e ele faz o par perfeito com Suzanne Pleshette (no papel da professora Jo Anne Baker). Os dois pombinhos chamaram atenção de Walt quando juntos em Um Amor de Companheiro, e ele se certificou de colocá-la em O Fantasma de Barba Negra. Excelente escolha, tio Walt!

O vilão de Joby Baker é esquecível, e extremamente genérico. A caricatura de um mafioso que estamos cansados de ver há tempos. Se tivessem sido escalados outros atores que possuem uma facilidade maior nesse tipo de papel, como Keenan Wynn ou Walter Brennan, o resultado poderia ter sido melhor. A bruxa responsável pela maldição teve seu papel simplificado ao extremo. Na versão de Stahl, Aldetha não era uma esposa, e sim feiticeira local que foi amiga de Teach e sua tripulação por muitos anos. O “X” da questão é que o feitiço lançado não fora feito com intenções malignas, e sim com o desejo de que um dia, Edward virasse uma boa pessoa. A música também faz falta em momentos importantes, e o modo como Steve encontra o livro é bem preguiçoso. Mas nada que atrapalhe gravemente a sua diversão.

Os efeitos especiais são bem feitos, tanto é que iria encorajar a Disney a usá-los 9 anos depois em Meu Amigo, O Dragão (1977). Destaque para Ustinov dirigindo o carro de Jones como se fosse um navio, e o time do Goldophin College sendo indiretamente ajudado pelo pirata que somente Steve pode ver. Esta, aliás, também foi outra mudança em relação ao livro. Walt Disney sempre gostava de incluir esportes em suas comédias, tal qual fez em The Absent-Minded Professor de 1961 (o qual este filme aqui foi bem inspirado) e sua sequência. Possivelmente, ele deve ter dado as mesmas ideias para Boy-Car-Girl, que viria se tornar Se Meu Fusca Falasse.

Diversão garantida para todas as idades (mesmo que alguns efeitos possam parecer um pouquinho datados), O Fantasma do Barba Negra teve o prazer de ter sido um dos últimos filmes com o toque pessoal do homem que criou esse estúdio tão importante em nossas vidas. Apesar de não ter visto muitas coisas que vieram após sua partida, não quer dizer que pelo menos uma ou duas delas não estariam com pelo menos um pingo de sua visão. Ele ainda teve a chance de assistir algumas cenas da película, em sua última vinda ao hospital. Com certeza, teria gostado de ver o resultado final deste conto…

Por último, deixo não um trailer ou uma cena em particular do filme. E sim, uma filmagem do próprio Walt Disney na sua última aparição em filmagens. Nela, ele fala de seu próximo lançamento, Follow Me, Boys! (1966, estrelando Fred MacMurray e Kurt Russell), o musical The Happiest Millionaire (1967) e O Fantasma do Barba Negra. Mesmo citando brevemente a comédia do pirata, vale a pena conferir:

O Fantasma do Barba Negra (Blackbeard’s Ghost) – Estados Unidos, 1968, cor, 106 minutos.
Direção: Robert Stevenson. Produção: Bill Walsh. Roteiro: Bill Walsh e Don DaGradi. Música: Robert F. Brunner. Cinematografia: Edward Colman. Edição: Robert Stafford. Elenco: Peter Ustinov, Dean Jones, Suzanne Pleshette, Elsa Lanchester, Joby Baker, Elliott Reid, Richard Deacon, Norman Grabowski, Kelly Thordsen, Michael Conrad, Herbie Faye, George Murdock, Hank Jones, Ned Glass, Gil Lamb, Alan Carney, Herb Vigran, Betty Bronson, Elsie Baker, Kathryn Minner, Sara Taft.

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Sobre o Autor

Amo filmes, histórias em quadrinhos, livros e, principalmente, Fuscas.